Por Alcir Rodrigues
I
Independentemente das furiosas
surras das marés altas,
que com suas ondas fustigantes
―línguas líquidas de marinhos
dragões―
bombardeiam e carcomem as falésias,
ainda assim é
Grande,
bastante grande,
não tão grande como o rio-mar,
lá adiante, que é demasiado maior.
II
Aqui em frente a mim, a praia, clara faixa arenosa de longa longa margem,
em minha memória de um ontem bem recuado lá para atrás...
Pois no agora, tanta tanta tanta pedra onde só havia fina areia...
Meu coração, que tem muito de pedra,
no entanto, se confrange
quando olho o hoje
e só vejo o ontem
no interior de cujo âmbito habitam
o bate-papo e o bate-bola, além da bola-ao-copo
entre velhos amigos...
Na pele, ainda agora a impregnar-me
a brisa cálida e o por do sol dentro destes olhos,
a me contagiar com a alegria das cores do verão,
nos chamativos trajes de banho (o)usados,
trajes que passeiam no corpo de veranistas
em evocações intensas
na nostalgia desta paisagem plúmbea
do inverno amazônico
a povoar tudo aqui...
III
Tudo tudo passa em branco e preto e em cores
frente aos olhos,
enquanto a caneta banha de tinta a página esculpindo nesta praia de papel
estas letras incertas, evocando,
rememorando ocasiões
que se inscreverão na História
como imagens baças, máscaras de fatos,
e mascarados de Carnaval,
como o cara chamado Pelado,
entre outros quase anônimos, tais como ele,
figuras sempre repetidas ali pelo bar O Harém,
cuja antiga dona apelidou a todos os pinguços
(nós, brincantes do Bloco Tá Feio)
de
Caras-de-espanta-freguesia!...
IV
Pingam as chuvas frias no corpo
e a pinga nos lábios...
As piadas riem de nós,
as pescarias
e avoados de peixe
e siris assados na brasa também
não se esquecem de nós,
coisa mais que fácil de fazer
para aquelas belas banhistas hipnotizando
os que mendigavam por apenas
uma inverossímil recíproca troca de olhar.
Desenha-se com contornos nevoentos
Um panorama em que ainda subsistem
as faveiras, a solitária árvore da beira
próxima à linha d’água de nossos frequentes banhos,
afastada razoavelmente da ilha de pedras.
Os ônibus de piquenique e as brigas
frequentes, naquela época, eram um tosco atrativo já meio tradicional, até
V
As ondas agora, em suave e incessante falecimento,
na praia e, por isso mesmo, neste papel,
não as posso ver só como fenômenos,
mas como ecos,
como vozes saudosas
de épocas mais promissoras, que se fazem assim nóstalgicas,
soluçando lamentos por um grande bem perdido, recôndito,
que estas pardacentas águas,
de propósito,
vão diluindo, liquefazendo,
como mensagens de letras em transparências
quase imperceptíveis,
que emanam das linhas e retornam para
a vaguitude de meus pensamentos,
perdidas em sinapses estéreis,
ondas mortas,
vazias,
vagas ondas,
que vêm e que vão,
trazendo e levando
momentos já perdidos,
contudo, em parte recuperados por esta grande praia/página
chamada memória.
Não só a minha, mas inclusive a tua, a nossa...
A memória de todos que estiveram lá... e aqui também...