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terça-feira, 29 de março de 2016

O Hotel

Imagem disponível em:http://casaraodememorias.blogspot.com.br/2015/01/hotel-farol-patrimonio-historico-da.html. Acesso em: 29 mar. 2016.

:Um barco fundeado
no fim da enseada,
sob a calmaria da marémória...
Sua âncora?
                               A Ilha dos Amores...

O Farol – deixará de piscar
a luz-guia
de seu olho de Ciclope Vermelho?
Só se o coração da Ilha
também parar de pulsar...

E só ecos de reminiscências
            restarão:
                 ...
          A infância (es)correndo
                                      livre-solta
nas ondas “de pegar jacaré”,
sob o guardassol azul do céu,
erguendo-se espumantes
sobre o pardacento líquido
do Mar Dulce,

                           introjetadas nos risos
refletidos nas lagoas, e nos castelos
de areia das crianças-arquitetas
de um futuro-em-devaneio...

... as linhas-de-mão, com seus anzóis de arco-íris,
            fisgando não só peixes e pitus,
mas todas as constelações
e nuvens deste céu líquido,
que testemunhava
os jogos de bate-bola
                                            (e de bola-ao-copo!)
... os passeios e namoros em flor,
inspirados nos ajiruzeiros
de mãos dadas
na bege faixa arenosa...

...sobre-tudo, esta bela lua levitando
nesta abóbada celestial sem gravidade,
magnetizando os olhos
e o coração dos recém-casados,
que a fitam
pelas claraboias do Hotel, perplexos
como Ismália no dilema
entre a lua do Mar
e a lua do céu...

É aí que o vento resvala
na água e impele as ondas
a copular com as areias.
As rochas e árvores na Ilha ouvem sua voz
a acariciar nossa pele e sussurrar em nosso ouvido:
“Os que aqui vêm, vivem vidas centenárias!"...
...
Só o sonho visionário
explica claramente como
na escuridão das saudosas
noites da metade daquele século,
eu já estava por lá,
perdido e encontrado
pelo cheiro de mar na pele,
pela cor espalhada
captada pelo ouvido,
os olhos perdidos entre
os sabores
de luz
e as cores-sons -- doces--,
que os olhos hipnotizam,
abarrotados de ar
                             ,água
                                e areia...

domingo, 27 de março de 2016

Pintura leiloada no Rio de Janeiro

 Imagem disponível em: https://www.ernanileiloeiro.com.br/peca.asp?ID=7320&ctd=321&tot=962&tipo=. Acesso em: 27/03/2016.
Pintura com uso de espátula. Temos a impressão de que se trata da Vivenda Santana, hoje em ruínas,
na Praia do Paraíso, localizada no terreno do Hotel Fazenda Paraíso.




321 de 962
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Lote: 315
GILBERTO BAPTISTA."Velha casa em Mosqueiro- Belém/ PA", ose, medindo 37 x 60 cm.

sábado, 26 de março de 2016

Postal de sentidos


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Imagem disponível em: http://mosqueirando.blogspot.com.br/2013/03/meio-ambiente-comunidades-rurais-de.html. Acesso em: 26 mar. 2016.

Vislumbro nos
círculos de tuas
       duas íris, profundamente,
       umas certas lonjuras
                            levemente
                                emanadas
de lembranças turvas
do encontro do rio
Murubira com o Pratiquara:

esquina de rios – duas curvas –
a desaguarem suas águas
em um leito repleto
de mágoas enlutadas...

Ouço e sinto os pingos
do chuvisco
espocando suas gotas geladas
na chapa do piso líquido
destas largas artérias
ramificando-se
e levando sinergia
por toda a anatomia
desta Ilha,

espargindo
                    pela atmosfera
ares aromatizados
pela mata ciliar
brotada logo acima do tijuco
que assoalha estas águas cor de cobre...

E, assim, um rio
de sentimentos e de sentidos amalgamados
dilui-me e deglute-me
este universo
  circundante, em doce entorpecimento...

Tudo isso é efeito
       do que reflete
       dos teus
               olhos
              para os meus
                     desse postal antigo
             que tu tens nas tuas mãos.
Alcir

quinta-feira, 24 de março de 2016

Um poema bem a propósito para o contexto em que vivemos no Brasil


Disponível em: http://www.umacoisaeoutra.com.br/literatura/falsos.htm. Acesso em: 24 mar. 2016.



NO CAMINHO, COM MAIAKÓVSKI


Assim como a criança
humildemente afaga
a imagem do herói,
assim me aproximo de ti, Maiakósvki.
Não importa o que me possa acontecer
por andar ombro a ombro
com um poeta soviético.
Lendo teus versos,
aprendi a ter coragem.

Tu sabes,
conheces melhor do que eu
a velha história.
Na primeira noite eles se aproximam
e roubam uma flor
do nosso jardim.
E não dizemos nada.
Na segunda noite, já não se escondem:
pisam as flores,
matam nosso cão,
e não dizemos nada.
Até que um dia,
o mais frágil deles
entra sozinho e nossa casa,
rouba-nos a luz e,
conhecendo nosso medo,
arranca-nos a voz da garganta.
E já não podemos dizer nada.

Nos dias que correm
a ninguém é dado
repousar a cabeça
alheia ao terror.
Os humildes baixam a cerviz:
e nós, que não temos pacto algum
com os senhores do mundo,
por temor nos calamos.
No silêncio de meu quarto
a ousadia me afogueia as faces
e eu fantasio um levante;
mas amanhã,
diante do juiz,
talvez meus lábios
calem a verdade
como um foco de germes
capaz de me destruir.

Olho ao redor
e o que vejo
e acabo por repetir
são mentiras.
Mal sabe a criança dizer mãe
e a propaganda lhe destrói a consciência.
A mim, quase me arrastam
pela gola do paletó
à porta do templo
e me pedem que aguarde
até que a Democracia
se digne aparecer no balcão.
Mas eu sei,
porque não estou amedrontado
a ponto de cegar, que ela tem uma espada
a lhe espetar as costelas
e o riso que nos mostra
é uma tênue cortina
lançada sobre os arsenais.

Vamos ao campo
e não os vemos ao nosso lado,
no plantio.
Mas no tempo da colheita
lá estão
e acabam por nos roubar
até o último grão de trigo.
Dizem-nos que de nós emana o poder
mas sempre o temos contra nós.
Dizem-nos que é preciso
defender nossos lares,
mas se nos rebelamos contra a opressão
é sobre nós que marcham os soldados.

E por temor eu me calo.
Por temor, aceito a condição
de falso democrata
e rotulo meus gestos
com a palavra liberdade,
procurando, num sorriso,
esconder minha dor
diante de meus superiores.
Mas dentro de mim,
com a potência de um milhão de vozes,
o coração grita - MENTIRA!

EDUARDO ALVES DA COSTA
Niterói, RJ, 1936

Nota: Poema publicado no livro 'Os Cem Melhores Poetas Brasileiros do Século', organizado por José Nêumanne Pinto, pag. 218.

O curta metragem Matinta


Mosqueiro: ilha dos sabores


Presidente (ditador) general Ernesto Geisel em Mosqueiro: 12/01/1976, inauguração da Ponte Sebastião Rabelo de Oliveira


Mosqueiro videos Ronaldo Moraes Rego parte 1


Aniversário de Ana Júlia, Farol, Mosqueiro (início dos anos de 1960)


Praia do São Francisco em Mosqueiro (início dos anos de 1950)


Mosqueiro Video Ronaldo Moraes Rego parte 2


Imagens que trazem saudosismo


BELÉM ANTIGA


MERCADO IMOBILIÁRIO. HÁ 50 ANOS, UM CLUBE EM MOSQUEIRO PROMETIA O PARAÍSO





Corriam os anos 60 quando um novo empreendimento prometia, um estilo europeu ao morador de Belém que passava os veraneios em Mosqueiro, queria um clube de alta qualidade e ainda a possibilidade de chegar lá no próprio barco, quando isso ainda era feito por navios e balsas, antes da ponte.
O Netuno Iate Clube, na Praia do Farol, tinha piscinas, salões de danças e de jogos, bares e restaurantes, quadras de tênis, e a ponte e a marina para a atracação do barco..
A propaganda é um registro raro de como o negócio foi vendido no mercado local.
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Fonte: Memórias do Cotidiano/LFP

Disponível em:http://belemantiga.blogspot.com.br/2014/10/mercado-imobiliario-ha-50-anos-um-clube.htmlv. Acesso em: 24 mar. 2016.
                                   ***                  ***        &&&&        ***             ***





Imagem disponível em: https://www.google.com.br/imgres?imgurl=http://40.media.tumblr.com/62910d27e0e85caaaf2e0960fa9f4eae/tumblr_nwceusZYmq1r3tp9lo4_1280.jpg&imgrefurl=http://fragmentosdebelem.tumblr.com/post/131517587534&h=1584&w=1280&tbnid=0IcS4RNgEoTCgM:&docid=4lMM1iavaAqhIM&ei=Ig_0VqDrKIuewgT9_qbgDA&tbm=isch&ved=0ahUKEwighMvf2NnLAhULj5AKHX2_CcwQMwgfKAIwAg. Acesso em: 24 mar. 2016.

Fragmentos de Belém: uma antologia da cidade




Netuno Iate Clube, d. 1960 / Acervo Ignácio Neto
“Localização privilegiada no Netuno Iate Clube na Ilha do Mosqueiro, no Farol, bem junto do Edifício Katolé. A dois passos das praias do Farol e Chapéu Virado, servido por rodovia asfaltada, com excelente parque de estacionamento.
Assim será o Netuno Iate Clube, o maior clube náutico social do norte: 
  • Ponte para atracação dos barcos; 
  • Sede Social: subsolo com garagem de barcos - Copa, Cozinha e Vestiários. 1º Andar:Restaurante, salões de festa, boite, palco e bar. 2º Andar: Secretaria, salões para jogos, terrace coberto, sala de estar, bar e copa;
  •  Área externa: piscina semi-olímpica, piscina infantil, bar da piscina, quadras de voleibol, basquetebol, futebol de salão, tênis e parque infantil - Churrasqueira, vestiário da piscina, casa do zelador.
Disponível em:http://fragmentosdebelem.tumblr.com/post/131517587534. Acesso em: 24 mar. 2016.



    Para muitas pessoa, aquelas que costumam afirmar que no tempo delas é que era bom, a ilha de Mosqueiro desse período da década de 1960 (e também de décadas anteriores) era um lugar muito mais aprazível, mais tranquilo, por isso lhe chamaram de A Bucólica.


    terça-feira, 22 de março de 2016

    Michel Foucault esteve em Mosqueiro, em 1976

    Paul-Michel Foucault (15/10/1926, Poitiers, França - 25/06/1984, Paris, França​)

    Nascido em uma família tradicional de médicos, Michel Foucault frustrou as expectativas de seu pai, cirurgião e professor de anatomia em Poitiers, ao interessar-se por história e filosofia. Apoiado pela mãe, Anna Malapert, mudou-se para Paris em 1945 e antes de conseguir ingressar na École Normale da rue d'Ulm, foi aluno do filósofo Jean Hyppolite, que lhe apresentou à obra de Hegel.
    Em 1946 conseguiu entrar na École Normale. Seu temperamento fechado o fez uma pessoa solitária, agressiva e irônica. Em 1948, após uma tentativa de suicídio, iniciou um tratamento psiquiátrico. Em contato com a psicologia, a psiquiatria e a psicanálise, leu PlatãoHegelMarxNietzsche,HusserlHeideggerFreudBachelard, Lacan e outros, aprofundando-se em Kant, embora criticasse a noção do sujeito enquanto mediador e referência de todas as coisas, já que, para ele, o homem é produto das práticas discursivas.
    Dois anos depois, Foucault se licenciou em Filosofia na Sorbone e no ano seguinte formou-se em psicologia. Em 1950 entrou para o Partido Comunista Francês, mas afastou-se devido a divergências doutrinárias.
    No ano de 1952 cursou o Instituto de Psychologie e obteve diploma de Psicologia Patológica. No mesmo ano tornou-se assistente na Universidade de Lille. Foucault lecionou psicologia e filosofia em diversas universidades, na Alemanha, na Suécia, na Tunísia, nos Estados Unidos e em outras. Escreveu para diversos jornais e trabalhou durante muito tempo como psicólogo em hospitais psiquiátricos e prisões.
    Viajou o mundo fazendo conferências. Em 1955, mudou-se para Suécia, onde conheceu Dumézil. Este contato foi importante para a evolução do pensamento de Foucault. Conviveu com intelectuais importantes como Jean-Paul Sartre, Jean Genet, Canguilhem, Gilles Deleuze, Merlau-Ponty, Henri Ey, Lacan, Binswanger, etc.
    Aos 28 anos publicou "Doença Mental e Psicologia" (1954), mas foi com "História da Loucura" (1961), sua tese de doutorado na Sorbone, que ele se firmou como filósofo, embora preferisse ser chamado de "arqueólogo", dedicado à reconstituição do que mais profundo existe numa cultura - arqueólogo do silêncio imposto ao louco, da visão médica ("O Nascimento da Clínica", 1963), das ciências humanas ("As Palavras e as Coisas", 1966), do saber em geral ("A Arqueologia do Saber", 1969).
    Esteve no Brasil em 1965 para conferência à convite de Gerard Lebrun, seu aluno na rue d'Ulm em 1954. Em 1971 ele assumiu a cadeira de Jean Hyppolite na disciplina História dos Sistemas de Pensamento. A aula inaugural foi "a Ordem do discurso".
    A obra seguinte, "Vigiar e Punir", é um amplo estudo sobre a disciplina na sociedade moderna, para ele, "uma técnica de produção de corpos dóceis". Foucault analisou os processos disciplinares empregados nas prisões, considerando-os exemplos da imposição, às pessoas, e padrões "normais" de conduta estabelecida pelas ciências sociais. A partir desse trabalho, explicitou-se a noção de que as formas de pensamento são também relações de poder, que implicam a coerção e imposição.
    Assim, é possível lutar contra a dominação representada por certos padrões de pensamento e comportamento sendo, no entanto, impossível escapar completamente a todas e quaisquer relações de poder. Em seus escritos sobre medicina, Foucault criticou a psiquiatria e a psicanálise tradicionais.
    Deixou inacabado seu mais ambicioso projeto, "História da Sexualidade", que pretendia mostrar como a sociedade ocidental faz do sexo um instrumento de poder, não por meio da repressão, mas da expressão. O primeiro dos seis volumes anunciados foi publicado em 1976 sob o título "A Vontade de Saber".
    Em 1984, pouco antes de morrer, publicou outros dois volumes: "O Uso dos Prazeres", que analisa a sexualidade na Grécia Antiga e "O Cuidado de Si", que trata da Roma Antiga. Foucault teve vários contatos com diversos movimentos políticos. Engajou-se nas disputas políticas nas Guerras do Irã e da Turquia. O Japão é também um local de discussão para Foucault. Várias vezes esteve no Brasil, onde realizou conferências e firmou amizades. Foi no Brasil que pronunciou as importantes conferências sobre "A Verdade e as Formas Jurídicas", na PUC do Rio de Janeiro.
    Os Estados Unidos atraíram Foucault em função do apoio à liberdade intelectual e em função de São Francisco, cidade onde Foucault pode vivenciar algumas experiências marcantes em sua vida pessoal no que diz respeito à sua homossexualidade. Berkeley tornou-se um pólo de contato entre Foucault e os Estados Unidos.
    Em 25 junho de 1984, em função de complicadores provocados pela AIDS, Foucault morreu aos 57 anos, em plena produção intelectual.
    (Repostado de UOL Educação. Disponível em: http://educacao.uol.com.br/biografias/paul-michel-foucault.htm. Acesso em: 22 mar. 2016.)
                                                                ***                      ***
    As postagens abaixo provam a visita do filósofo francês às plagas ilhoas. Vejam postagens abaixo, na verdade, repostagens, às quais damos os créditos devidos.

    Foucault e o bonjour amazônico, por José Ribamar Bessa Freire

    [Em um restaurante, na praia do Maraú, em novembro de 1976]

    A canoa vai de proa /e de proa eu chego lá,
    Rema, meu remo, rema / Meu remo, rema.

    (Fafá de Belém – Indauê Tupã)
    Confesso um pecado academicamente mortal: não conheço a obra de Michel Foucault. O único livro dele que li de cabo a rabo foi A História da Loucura escrito ainda no início dos anos 1960. Tomei conhecimento dos demais só através de resenhas, entrevistas, citações em dissertações e teses em cujas bancas me envolvi. Um amigo querido, ex-professor da UFF, que era vidrado no filósofo francês e não dizia um “oi” sem citá-lo, morreu sem perdoar meu pecado. Se ele ainda estivesse vivo, agora sim, me absolveria porque, para me redimir, eu o cumprimentaria assim citando Foucault:
    – Bonjour, Armando, como disse Foucault a Edna Castro numa manhã de sol na praia do Maraú em Mosqueiro, antes de encarar uma maniçoba arretada (Foucault, 1976: 12 hs).
    É que somente agora, em Belém, tomei conhecimento das peripécias de Foucault nas duas ocasiões em que esteve na Amazônia. Sua passagem pelo Pará está registrada no belo documentário de 20 minutos que foi exibido nesta semana na abertura do 2º Colóquio Internacional Mídia e Discurso na Amazônia (DCIMA II),  organizado por Ivânia Neves e Agenor Sarraf, professores da Universidade Federal do Pará (UFPA).
    Arqueologia do tacacá
    Fiquei morrendo de inveja dos paraenses. Imaginem só: Foucault passou também por Manaus na primeira viagem, em maio de 1973, convidado pela Aliança Francesa, mas nós, amazonenses, não fizemos qualquer registro disso, pelo menos que eu conheça. Nem mesmo a velha rixa Amazonas x Pará estimulou a Universidade Federal do Amazonas a buscar as pegadas do filósofo francês na Barelândia. Parece que ele não gostou da capital amazonense, já em processo americanalhado de maiamização.
    Com Belém, foi diferente. Foucault gostou do Pará. Tomou tacacá e não se esqueceu mais de lá. Veio ao Pará, parou. Bebeu açaí, voltou. Na segunda viagem em novembro de 1976 e aí – não quero fazer fofoca não –  arbitrou a interminável polêmica amazônica, sentenciando que o Teatro da Paz é mais bonito que o Teatro Amazonas. O documentário dirigido por Ivânia Neves, Maurício Correa e Nassif Jordy não dá trelas a essa fofoca que acabo de inventar, mas fotos na praia de Mosqueiro, exibidas no documentário, reforçam  depoimento de Benedito Nunes em entrevista a Adriana Klautau:
    – Estávamos no período do regime militar, quando ele veio proferir algumas conferências no Pará a convite meu. Foucault foi extraordinário. Eu fazia a intermediação e traduzia as perguntas das pessoas. Depois, levamos Foucault à praia do Maraú, perto de Belém. Eu tinha um terreno lá, não tinha nem casa, era só o terreno. Ele amou. Era um brilhante nadador. Um atleta. Disse que era a primeira vez que o levavam a uma praia assim no Brasil. Ele nadou muito lá. Depois, fomos em um bar muito vagabundinho, tomamos banho lá mesmo e almoçamos.
    Depoimentos sobre as três conferências e o curso que deu na UFPA mostram que Foucault já era Foucault, professor do Collège de France e celebridade internacional. Já havia escrito A Arqueologia do Saber, Vigiar e Punir e História da Sexualidade. Militante dos direitos humanos, em Belém ele chutou o pau da barraca, com críticas ferinas às instituições sociais, martelando temas que o tornaram conhecido: clínica psiquiátrica, prisões, reforma penal, sexualidade, conhecimento, poder. E isso em plena ditadura militar, o que enfureceu os gorilas fardados.
    Palavras e coisas
    Mas suas conferências não foram publicadas, porque o gravador com sua fala foi roubado do carro estacionado em frente ao restaurante onde jantava com amigos paraenses. De qualquer forma, a repressão não se fez esperar:
    – Menos de uma semana depois que Foucault foi embora, fui chamado pelo diretor, cujo nome não vou mencionar, me dizendo que o SNI estava pedindo a relação dos “frequentadores” das aulas. Eu disse: Não dou a relação. Saí de lá e fui diretamente falar com o reitor que foi muito correto e até corajoso. Ele me disse para não dar a lista. Havia uma vigilância até nesse ponto – contou Benedito Nunes, segundo o filósofo Ernani Chaves, que há dois anos publicou um livro sobre Michel Foucault em Belém.
    O documentário certamente pode interessar Heliana Conde, professora da UERJ,  que pesquisa as várias passagens de Foucault no Brasil, onde esteve cinco vezes entre 1965 e 1976. Ele participou de mesa redonda com o psicanalista Hélio Pelegrino e outros convidados. Num curso que ministrou na USP em 1975, compareceu à assembleia estudantil e se manifestou contra a prisão de estudantes, professores e jornalistas ocorridas naquele momento. Anunciou que, em solidariedade, suspenderia seu curso. Dois dias depois, o país soube do assassinato do jornalista Vladimir Herzog,
    A abertura do documentário é feita com imagens do filme “Michel Foucault par lui même” e doBye Bye Brasilcom música de Fafá de Belém e uma animação de Otoniel Oliveira na qual o filósofo dá uma piscadela cúmplice para o espectador. Recupera em jornais locais notícias e fotos. Entrevista a socióloga Edna Castro que flanou com ele a tiracolo por Mosqueiro, acompanhada do advogado José Castro e do filósofo Benedito Nunes. Registra depoimentos do historiador Aldrin Figueiredo e da linguista e antropóloga Ivânia Neves, que entre outros dados, menciona o namorado paraense do filósofo.
    Exibido no II DCIMA antes da palestra de Massimo Canevacci, o documentário deu início à programação que incluiu minicursos, oficinas, seminários e lançamentos de livros, com a participação, entre outros, de professores de outras universidades do Brasil que dialogam com os programas de pós-graduação da UFPA: Rosário Gregolin (UNESP-Araraquara), Vera França (UFMG), Helena Weber (UFRGS), Antônio Fernandes Júnior (UFG/UFSCar), Regina Baracuhy (UFPB), Lucrécia Ferrara (PUC- São Paulo) e Claudiana Narzetti (UEA).
    Esses e outros pesquisadores que estudam as cidades a partir de diferentes campos do saber concentraram o foco sobre a cobertura da mídia e das próprias redes sociais, indagando em que medida as cidades, seus acontecimentos e seus enunciados são mostrados ou ocultados. O aniversário de 400 anos de Belém, que será celebrado em 2016, inspirou o debate para pensar o papel das cidades. “Com que processos midiáticos, históricos, étnicos, culturais, semióticos, discursivos estas cidades se constituíram e se constituem?” – indagaram os organizadores.
    Numa das mesas sobre Etnicidades, Línguas, Mídias e Cosmologias mediada por Vera França (UFMG), Luciana Oliveira (UFMG) discutiu a situação dos Guarani Kaiowá, Ivânia Neves (UFPA) abordou a pluralidade étnica de Belém e este locutor que vos fala (UNIRIO-UERJ) refletiu sobre as cidades da Amazônia que são cemitérios de línguas. Em Belém e Manaus estão sepultados os últimos falantes de muitas línguas indígenas reprimidas e silenciadas pelo poder colonial, imperial e republicano, o que tem tudo a ver com a obra de Foucault que tenho vontade de conhecer.
    (Repostado de COMBATE Racismo ambiental. Disponível em: http://racismoambiental.net.br/?p=195762. Acesso em: 22 mar. 2016.)
                                                                      ***                     ***


    O filósofo francês Michel Foucault esteve duas vezes em Belém, nos anos de 1973 e 1976. Este documentário faz um inventário de seu segunda visita, quando, a convite de Benedito Nunes proferiu um curso na Universidade Federal do Pará-UFPA. Naquele momento o Brasil passava pela Ditadura Militar (1964-1985) e a UFPA começava a se organizar às margens do rio Guamá.

    A ideia de produzir este documentário [que aparece em postagem imediatamente abaixo desta] nasceu de uma provocação feita por Rosário Gregolin, na abertura do I Encontro de Análise do Discurso da Amazônia, realizado em Belém, em 2011. Ela nos mostrou a foto em que aparecia Michel Foucault e Benedito Nunes, Na foto que circulava na internet, aque Rosário tinha acesso, José Carlos Castro não aparecia. Depois destes momento, em todas as vezes que Rosário vinha a Belém, ela nos provocava sobre o assunto, até que um dia fomos com ela a Mosqueiro.... 

    José Carlos de Castro, Michel Foucault e Benedito Nunes - Maraú - Mosqueiro - 1976
     Michel Foucault, Edna Castro, Benedito e Silvia Nunes - Mosqueiro- 1976

    Leia a crônica de José Ribamar Bessa Freire sobre o documentário.


    "Depoimentos sobre as três conferências e o curso que deu na UFPA mostram que Foucault já era Foucault, professor do Collège de France e celebridade internacional. Já havia escrito A Arqueologia do Saber, Vigiar e Punir e História da Sexualidade. Militante dos direitos humanos, em Belém ele chutou o pau da barraca, com críticas ferinas às instituições sociais, martelando temas que o tornaram conhecido: clínica psiquiátrica, prisões, reforma penal, sexualidade, conhecimento, poder. E isso em plena ditadura militar, o que enfureceu os gorilas fardados."        José Ribamar Bessa Freire
    (Repostado de: GEDAI -- Grupo de Estudos Mediações, Discurso e Sociedades Amazônicas. Disponível em: http://grupogedai.blogspot.com.br/2015/12/michel-foucault-em-belem-novo.html. Acesso em: 22 mar. 2016.)




    Michel Foucault em Belém / Michel Foucault dans l'Amazonie / Michel Fou...

    sábado, 12 de março de 2016

    RESENHA CRÍTICA: No princípio era o ritmo: as raízes xamânicas da narrativa

    SEVCENKO, Nicolau. No princípio era o ritmo: as raízes xamânicas da narrativa. In: RIEDEL, Dirce Côrtes (org.). Narrativa: ficção e história. Rio de Janeiro: Imago (coleção Tempo e Saber), 1988, p. 120-135.

    Resenhista: Alcir de Vasconcelos Alvarez Rodrigues[1]

    Nicolau Sevcenko (1952-2014) é um historiador brasileiro, nascido em uma família de imigrantes ucranianos. Foi eminente pesquisador da história e da cultura brasileiras, focando em especial, em seus estudos, o desenvolvimento e modernização das cidades de São Paulo e Rio de Janeiro, na época da República Velha, dos fins do século XIX aos começos do XX. Na verdade, a amplitude de temáticas e a abordagem teórica na produção intelectual de Sevcenko são difíceis de se abordar em um trabalho de natureza curta como este. Entre as diversas obras por ele publicadas, destacam-se A revolta da vacina (1983), Orfeu extático na metrópole: São Paulo nos frementes anos 20 (1992), A corrida para o séc. 21: no loop da montanha-russa (2001) e Literatura como missão: tensões sociais e criação cultural na Primeira República (2003); também organizou o livro História da vida privada no Brasil: da belle époque à era do rádio (1998), todas publicadas pela Companhia das Letras. Concluiu doutorado em História Social pela USP e pós-doutorado em História da Cultura pela London University, onde teve contato pessoal com Eric Hobsbawm (1917-2012). Além de lecionar e desenvolver pesquisas na USP, trabalhou na PUC-SP e Unicamp, também em renomadas universidades estrangeiras, entre elas a Harvard University.
    O texto de Nicolau Sevcenko “No princípio era o ritmo: as raízes xamânicas da narrativa” faz parte do livro Narrativa: ficção e história, organizado por Dirce Côrtes Riedel, de 1988, livro-coletânea, resultado de colóquio homônimo que foi promovido pelo setor de Literatura do Departamento VI do Instituto de Letras da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e realizado em 25, 26 e 27 de novembro de 1987; portanto, um ano antes da publicação do volume coletivo com matéria oriunda desse Colóquio. Alguns eminentes autores, participantes do evento, também publicaram seus estudos no livro em questão. Entre estes, além de Nicolau Sevcenko, estão Luiz Costa Lima, Benedito Nunes, José Miguel Wisnik, Silviano Santiago, entre outros.
    Fato curioso é que Dirce Côrtes Riedel organiza o livro, mas nele não tem texto publicado. Curioso também é o modo como se apresentam os textos: primeiramente, a Exposição de cada pesquisador; em segundo lugar, um Comentário à Exposição, feito por outro pesquisador; e, por último, um Debate entre pesquisadores, inclusive os responsáveis pela Exposição e pelo Comentário. No caso do texto em questão, temos o seguinte: Exposição: “No princípio era o ritmo: as raízes xamânicas da narrativa”, de Nicolau Sevcenko (pág. 120 até 136); Comentário: “A narrativa em questão”, de Francisco Iglésias (pág. 137 até 149); e Debate: dele participando os seguintes pesquisadores: Francisco Iglésias, Nicolau Sevcenko, Luis Eduardo Soares, Bento Prado Jr., Benedito Nunes, Luiz Costa Lima, Silviano Santiago e José Américo Pessanha (pág. 150 até 169).
    Não se pode afirmar que a área de interesse traçada nas linhas no estudo de Sevcenko seja restrita ou única, já que no mínimo, a priori, estaria ligada à Literatura e à História. Mas ainda aqui a ideia é de restrição, já que o interesse, na verdade, é múltiplo: interessa, também, tanto à Antropologia (principalmente no ramo da Etnologia), Linguística e Semiótica como às Ciências da Arte e às Ciências da Religião; e como não ligar este interesse também à Filosofia e à Sociologia? E como não considerar aquele ramo da Geografia denominado de Geografia Humana também interessado no tema estudado? E o que dizer em relação aos parâmetros interdisciplinares dos Estudos Culturais? De fato, poderíamos supor um raciocínio por um caminho inverso: se as narrativas histórica e ficcional estão diretamente vinculadas ao xamanismo dos primórdios da humanidade, a quais áreas do conhecimento, na contemporaneidade, não interessariam os assuntos abordados pelo autor em seu texto?
    O autor deixa bem explícito seu propósito, ao afirmar que as formas acabadas do que são hoje a ficção e a História têm origem comum, ou seja, ambas são advindas das práticas ancestrais xamânicas da era paleolítica. A partir daí, o que quer que aproxime ou distancie, na contemporaneidade, os dois tipos de discursos, deve levar em conta o que ocorreu milhares de anos atrás, naqueles tempos primordiais entre a ancestralidade nômade e o sedentarismo, as transformações por que passou aquela humanidade nascente, suas formas de relacionamento social, entre elas a prática da caça e da alimentação coletiva, extremamente necessárias à sobrevivência dos grupos, para a qual surgia a necessidade de liderança e formas de constituí-la, o que nos conduz às práticas xamânicas, seus rituais, sua linguagem, sua maneira de ajudar a guiar o clã no rumo de um futuro de sobrevivência mais promissora.
    No texto, logo de início, Sevcenko presta esclarecimentos sobre como será sua Exposição, qual o propósito que quer alcançar: discutir a História e a Ficção em suas origens xamânicas, vinculando ambas à dependência do ritmo na prática ritual. Para o autor, a discussão pode levar a uma melhor compreensão do significado das narrativas e dos seres humanos que as produziram e que relação mantêm com suas comunidades, revelando a importância da memória e do poder mágico das narrativas. O estudioso dá relevo ao contexto de produção da narrativa: o lugar de onde se pronuncia, quem a pronuncia, os signos envolvidos na situação e tudo o mais relacionado às transformações que foram descambar nos gêneros narrativos atuais.
    Se o texto inicia na página 120, de fato a Exposição, propriamente dita, inicia na 121, quando o autor diz que “gostaria de ler a epígrafe do trabalho”, e a lê. A partir daí, inicia referindo pesquisas da paleolaringologia, que considera mais tardias do que comumente se pensava as possibilidades anatômicas da fala, só a partir do homo erectus (entre 500.000 ou 400.000 anos atrás), causadas por transformações no crânio e na laringe de nossos ancestrais. Sem poder respirar enquanto se alimentam, tal ato cotidiano torna-se demorado, expondo-os aos ataques de predadores, o que passa a exigir transporte do alimento e estocagem até o local adequado para a ingestão em grupo (“por questões de segurança” (p. 122)), fato estimulador de interações sociais, desenvolvendo-se, a partir daí, um sistema mais complexo de ações comunicativas.
    Antes de se chegar a esse estágio, o período pré-linguístico é calculado como iniciado há dois milhões de anos, remontando ao australopitecos, como referência fundamental de ancestralidade hominídea mais remota, recuando há mais ou menos dez milhões de anos, no caso de se considerarem os primatas (daquela era remota) como nossos ancestrais. Mas só com o erectus a linguagem (semelhantemente a que conhecemos hoje) passaria a rivalizar com os sinais usados na prática da comunicação pré-linguística. Já se observa no erectus, pelos seus utensílios, um gosto pela simetria, por uma harmonia a partir de padrões, origem do ritmo, sinalizadora de uma nascente ordem social mais complexa.
    Cem mil anos atrás, durante certo período glacial, surge o Neanderthal, que se confrontaria mais tarde com o homo sapiens (denominado também de Cro-Magnon), pertencentes ambos à mesma linhagem. Tendo que se adaptar às intempéries, as espécies refinaram os modos de sobreviver, transformaram-se, no que diz respeito às práticas sociais. Desse período vêm

    [...] as primeiras evidências de práticas cerimoniais, cultos mortuários, crenças na vida após a morte e do que já se pode denominar, formas abstratas de arte, no sentido de formas de simbolização e estilização. Nada disso seria possível sem a base de uma linguagem articulada muito desenvolvida. Para além dos ritmos simétricos, a linguagem se liga agora ao mito e à arte (SEVCENKO, 1988, p. 123).

    Nesse segmento de seu estudo o historiador não dá pistas do desaparecimento do Neanderthal. Como leitores críticos, podemos apontar hipóteses: pode ter sido extinto na competição com o sapiens (que ele chama de Cro-Magnon), pode ter se miscigenado com este, ou pode não ter se adaptado às mudanças climáticas. O certo é que cabe ao Cro-Magnon a primazia do desenvolvimento de uma arte rupestre refinada, testemunha de um período em que nossa ancestralidade dava passos em direção a uma complexa organização social, moldada em um esforço coletivo de caça, que era motivo de representações pictóricas em grutas, de grande variedade e carregadas de valores ligados à “identidade, transcendência e imortalidade” (p. 123). Essas representações não têm como função embelezar os paredões, mas estão ligadas a práticas cerimoniais e rituais, o que nos dá a medida das preocupações que começam a ser despertadas, além das que somente remetem ao duro cotidiano de sobrevivência do grupo.
    Se para o evangelista João, “No princípio era o Verbo”, para Sevcenko, “No princípio era o ritmo”. Mas João se refere ao princípio do mundo, enquanto Sevcenko refere-se aos primórdios da narrativa, a partir do ritmo, quando o xamã exerce uma espécie de liderança que unifica o grupo socialmente, alimentando-o no sentido da prática da interação entre indivíduos dentro de suas famílias e as famílias interagindo no grupo, naquela já espécie de comunidade primordial. O estudioso, para melhor situar-se, busca o exemplo de uma pintura rupestre encontrada na gruta de Trois Frères (Três Irmãos, em português), localizada nos Pirineus Franceses, que recebeu tal denominação em decorrência de ter sua entrada descoberta por três irmãos pastores, em 1914. A pintura parietal representa um xamã do paleolítico superior, com características zooantropomórficas (ou seja, meio humano, meio animal). Sevcenko descreve muito bem essa pintura: localização exata na gruta, como encontrá-la, as características físicas, como traços híbridos de diversos animais. O autor faz uma longa descrição da figura desse “feiticeiro”, minuciosamente, refletindo sobre o porquê da localização remota na gruta, de sua postura inclinada, da razão de ser dessa representação enigmática. Consideramos esta a parte fulcral de sua explanação, quando apresenta, de fato, sua tese sobre a narrativa ser oriunda das práticas xamânicas do paleolítico.
    A partir daqui, passamos a simplesmente levantar alguns pontos que consideramos relevantes no texto de Sevcenko, sem preocupações maiores com a ordem em que aparecem na Exposição. Por exemplo, o autor refere-se à pintura rupestre como “arte”, por causa justamente de seu propósito não de exposição, mas de uso mágico, para tornar mais fácil a caçada. Essa função mágica já é referida por Arnold Hauser:

    O caçador e o pintor da era paleolítica supunham encontrar-se na posse do próprio objeto desde que possuíssem a sua imagem; julgavam adquirir poder sobre o objeto [o animal] por intermédio de sua representação. Acreditavam que o animal verdadeiro sofria, no mesmo preciso momento, a morte do retratado em efígie (HAUSER, apud BRASIL, Assis, p. 178)[2].


                O xamã, no ato ritualístico de narrar histórias  ̶ “Histórias tradicionais, intemporais, eternas: histórias das origens, mitos”, p. 126  ̶ , também canta e de dança; por isso, diz-se que é performático. E presidindo a todas as suas ações está o ritmo, que está associado ao pulsar do coração, tendo sua dispersão por meio da batida dos instrumentos de percussão. O andamento inicia por um compasso lento, aligeira-se conforme a performance do feiticeiro e dirige-se a um ápice, já em um andamento rapidíssimo, deixando em êxtase não só o xamã, mas todos ao redor. É esse ritmo que desnorteia os animais quando acuados em uma caçada, tornando-os presas fáceis ao caçador, que também servia como motivação aos soldados na frente de combate, no ato de enfrentamento ao inimigo na batalha.
                Para Sevcenko: “A narrativa é uma performance integral, desencadeada e centrada pelo xamã, ela se torna comunitária; sendo coletiva, se torna irresistível. A narrativa não é uma exposição do assunto, é o modo supremo da experiência da vida” (p. 126). Aprumado com essas ideias, Walter Benjamin faz uma crítica a essa perda por parte do narrador em relação a essa qualidade de ser capaz de contar bem uma história, o que, segundo o pensador alemão, vem ocorrendo sistematicamente a partir do século XX[3].
                Por algum motivo, quem quiser amplificar o entendimento do ensaio de Sevcenko, pode também ater-se ao Comentário que se segue ao texto, de autoria de Francisco Iglésias, no qual o leitor já encontrará resenhado o conteúdo e as formas de abordagem eleitas pelo historiador e professor da USP. Também pode ler, em seguida, o Debate, transcrito por Carlos Ernesto Nascimento Silva − que fez o mesmo com todos os demais debates do Colóquio−, com participação dos estudiosos já mencionados anteriormente, tendo aí possibilidades de contrapontos às ideias do historiador, mas também encontrará redimensionamentos de leitura, novas possibilidades de pormenorização e aprofundamento de ideias, inclusive com Sevcenko participando da discussão.
                Em seu Comentário, Iglésias tece elogios, mas também apresenta críticas ao texto “No princípio era o ritmo...”:

    Nele se evidenciam mais uma vez as qualidades do jovem historiador da Universidade de São Paulo, afirmadas em obras anteriores: enorme erudição, originalidade de enfoque, proposições instigantes. Aqui, como em outras obras suas, ele nada tem de convencional. Saber erudito e saber culto (sic!), para usar a conhecida colocação de Max Scheler na conferência “O saber e a cultura (IGLÉSIAS, Francisco. In: RIEDEL, Dirce Côrtes, opus citatum, p.178).
     
                Embora seja elogioso em certos aspectos, em outros, acaba apresentando contrapontos, como neste caso:

    Se concordarmos com o seu texto, pode-se questioná-lo: por que o autor escolheu este caminho e não outro? Sendo, entre os expositores, o único que é profissionalmente dedicado à História, detém-se no problema de origem da narrativa, mas não o analisa, tal como se apresenta, sobretudo, na História. O fato é que o autor se dedica, em mais da metade de suas páginas, a um universo que descobre a narrativa e a realiza como pintura, canto, dança, não como exposição. Em sentido rigoroso, detém-se na narrativa da pré-história, tal como esta é didaticamente concebida. Até aí, deve estar correto, mas o certo é que, com esse procedimento, não enfrenta o tema como é proposto no seminário que deseja a análise da narrativa como história e ficção (Idem, ibidem, p. 138 e 139. Grifos nossos).

                No entanto, o próprio autor defende-se, no Debate, afirmando que não tentou escapar ao tema do Colóquio. E, se deslocou seu texto para a Pré-História, ele o fez intencionalmente, pois é um longo e essencial período que − muitas vezes por puro preconceito histórico, zeloso somente pelo que há de registro escrito − acaba sendo menosprezado por estudiosos que só valorizam a cultura escriptocentrista e considerada oficial, justamente por ser hegemônica.
                É nessa perspectiva que se pode entender como o prestígio inicial do xamã e, mais tarde, dos poetas e dos profetas (herdeiros das práticas xamânicas) entrou em período de declínio, pelo menos no Ocidente. Já que o discurso controlado de uma sociedade sedentária, entrando em processo de originar a divisão de trabalho e as classes sociais, passa a restringir a atuação dos xamãs, dando prestígio somente às religiões oficiais do Estado, o que acaba sendo decidido pela classe governante e elitizada; já as religiões ligadas a práticas rituais consideradas “primitivas”, ou de possessão, são relegadas a plano inferior e discriminadas, como acontece comumente com o candomblé, a umbanda e (por que não?) com a pajelança.
    O leitor de “No princípio era o ritmo...” põe-se diante de um texto instigante e, ainda, atual, pois levanta questões e discute ideias ainda em pauta na atualidade. E Sevcenko apresenta-se como estudioso de grande perspicácia e até mesmo ousadia, que não teme nem polêmica nem discordância, já que, nesse ponto, acaba-se tendo um alavancamento que gera avanço na área, pois propõe uma discussão séria, e não gratuita; por isso, capaz de distanciar as pesquisas e publicações do risco da mediocridade e da vaidade intelectual, tão nocivas estas aos estudos dentro da academia e, por ricochete, ao desenvolvimento do conhecimento científico.



    [1] Doutorando em Letras – Estudos Literários, pelo Programa de Pós-Graduação em Letras do Instituto de Letras e Comunicação da Universidade Federal do Pará, professor da SEDUC/PA e SEMEC/Belém. E-mail: ay21a@yahoo.com.br.
    [2] Vide BRASIL, Assis. Arte e origem. In: ____ . Dicionário do conhecimento estético. Rio de Janeiro: Ed. Tecnoprint, 1984.
    [3] Vide BENJAMIN, Walter. O narrador. Considerações sobre a obra de Nikolai Leskov. In: ____. Magia e técnica, arte e política: ensaios sobre literatura e história da cultura. Trad. Sérgio Paulo Ruanet. 3. ed.  São Paulo: Brasiliense, 1987, p. 197-221.