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sexta-feira, 20 de junho de 2014

Letra do samba de enredo dos Piratas da Ilha para o Carnaval 2014: uma leitura possível

        Aqui apresento um texto que escrevi no calor da semana anterior ao Carnaval e seu desfile oficial na ilha de Mosqueiro. Trata-se de uma percepção bem pessoal, mas que assume uma visão analítico-interpretativa de um leitor que pretende dar seu pitaco, de um ponto de vista cauteloso, ao ponto de não extrapolar os limites interpretativos, embora especule no rumo de possíveis interações com os contextos sugeridos no interior do próprio texto da letra do samba. É isso.
          Primeiro, segue a letra do samba e os referidos créditos. Após, segue nossa contribuição.

ENREDO: Banthu e Pinhama em perfeita relação com o poder da criação
COMPOSITOR: Jorge do cavaco 
INTÉRPRETES: Carlinhos do Samba, Dimas Júnior, Justino e Denilson

Míticas é o meu canto de emoção
Que vai tocar os corações
Na luta em defesa do planeta
Com esperança no futuro que virá
Vamos todos preservar a terra
Ter compromisso com um mundo bem melhor
Vivendo sempre em harmonia
O homem e a natureza em perfeita relação

Preservar eis a questão
Pro futuro de outras gerações
Conservar a diversidade do planeta
Respeita e cuida sem destruição

Da Grécia berço da sabedoria
Vem pro mundo exemplo de cidadania
Liberdade com respeito e participação
Sem desigualdade social
É no poder da informação
Que vem pro mundo a transformação
O desmatamento aquece a terra
O lixo polui o rio e mar
O fogo que queima a floresta
Destrói fauna e flora sem perdão
Sou Piratas, fonte de luz que irradia
Um alerta contra devastação
Pro lindo renascer de novo

Olorum, nzambi criador do universo
Os orixás, babalorixás, babalaos relação de fé
Banthu, pinhama são vermelho e branco
Divina obra do poder da criação.


               *     *      *
Após singrar os Sete Mares em seus galeões imaginários, a Nação Piratiana está retornando agora pelas águas do Rio Pará, deslizando pelas baías do Mar Dulce (de Santo Antônio, do Marajó e do Sol) e pelo Furo das Marinhas, circunavegando nossa querida Ilha do Mosqueiro, em meio ao balanço das grandes marés e do Carnaval 2014, aportando na passarela do samba e brindando seus brincantes e o público em geral com o enredo Banthu e Pinhama em perfeita relação com o Poder da Criação.
            Resolveram empreender essa viagem, não só pelos espaços, mas também pelos tempos, pelas Eras, para poderem se nutrir de saberes e fazeres pertinentes ao tema e enredo abordados. O propósito, em parte, é compreender por que nos tempos atuais a espécie humana, de modo geral, pouco (ou quase nenhum) respeito demonstra em relação ao ecossistema, e, assim, constatar que, além disso, não está se importando nem com o futuro do planeta nem com o da Humanidade.
Outro propósito da viagem é compreender como os ancestrais de nossa espécie pensavam a relação Humanidade-Natureza-Criador; em outras palavras, a relação entre Deus, Ser Humano e Natureza, que na tradição religiosa de determinadas culturas africanas, como as da nação banto, seria a relação Olorum/Nzambi-Banthu-Pinhama: o Poder da Criação, os Seres Humanos e os Animais, aqui a palavra tomada como sinédoque (a parte pelo todo), representando, na verdade, toda a natureza.
Percebemos, porém, de tempos para cá, que o ser humano ocidental fundou um modo de vida que buscou separá-lo da natureza, mas sempre querendo transformá-la, via exploração irracional e irresponsável de seus recursos: queimando, aterrando, desmatando, poluindo, extinguindo espécies, levando o planeta e as comunidades humanas espalhadas pela Terra à escassez de comida e água, ao superaquecimento, às catástrofes que surgem com as transformações climáticas.
Na cultura religiosa dos africanos da nação banto, não há essa separação, esse divórcio, entre seres humanos, meio ambiente e universo. Tudo está, de fato, intimamente ligado por uma força vital e universal criadora e unificadora, nomeada pelos sinônimos Olorum/Nzambi, que faz com que todo o ambiente, representado aqui por Pinhama, e toda a humanidade, figurada por Banthu, comunguem de uma mesma origem e um mesmo princípio e propósito harmonizadores.
O tema – ligado à questão ambiental– e nosso enredo – homem e meio em harmonia entre si e também com o Criador– faz remeter panoramicamente à Antiguidade e reconhecer indubitavelmente no pensamento dos sábios gregos as primeiras reflexões e inquietações registradas em obras escritas, muito pertinentes, a respeito desse futuro divórcio que caracterizará as futuras ações impensadas do ser humano em relação ao ambiente no qual deveria se sentir mais integrado, fato que deveria ocorrer, mas não ocorre, de modo algum, nos tempos atuais, contexto em que a ausência de uma consciência mítica ancestral, daqueles tempos recuados na História, muito tem prejudicado o ser humano.
Mas a USPI (Universidade de Samba Piratas da Ilha) conclama a todos, em seu enredo e samba, um retorno a esse modo de vida, a esse ciclo ancestral, no qual um consórcio perfeito e total do ser humano com a natureza pode ser um anseio a ser concretizado. E é pela fé nos Orixás (Ogum, Oxum, Xangô etc.), que simbolicamente representam as forças da natureza e fazem o intermédio entre o plano físico e o espiritual, com a ajuda dos babalorixás e babalaôs (os sacerdotes), que todos nós podemos despertar para uma consciência ecológica de caráter mais pleno e ético.
Esta época contemporânea endeusa a ciência e a tecnologia, que pouco valem sem a consciência ambiental. Todo o conhecimento produzido, todas as invenções, inclusive a cura para tantas doenças, todas as riquezas acumuladas e que causam a desigualdade social, tudo isso e mais o que se possa imaginar, de nada valerão em um futuro sem futuro, de Terra devastada e doente. Por isso, a informação deverá privilegiar uma consciência cidadã, para reservar, preservar e conservar a diversidade em um planeta que é, verdadeiramente, nosso lar.
E não só de informação se precisa; precisa-se também de formação da consciência crítica para se vencer esta “luta em defesa do planeta/com esperança no futuro que virá”. Por isso Os Piratas da Ilha estão na avenida para divulgar pela música, pelo canto e pela dança “Um alerta contra a devastação/ Pro lindo renascer de novo”. Assim, é preciso sedimentar no coração do povo que lutar por um futuro melhor é preciso. É preciso preservar, para as gerações que virão, um planeta saudável para se viver, uma plenitude de vida e de felicidade duradoura que é possível, se lutarmos agora para trazer de volta uma relação homem e natureza mais harmônica.

E é aí que nossa herança afrodescendente pode fazer a diferença, pois no pensamento religioso banto o elemento Homem é visto como parte integrante da Natureza e obra (como esta, também) da Criação. Preservando a Mãe Natureza, estaremos agindo em conformidade com a Ética e respeitando o Criador. E estamos deixando hoje uma herança fecunda para as gerações futuras, que nos verão com um olhar benévolo, pois estarão lá na frente nos agradecendo pelo belo planeta que herdaram de nós.

quarta-feira, 18 de junho de 2014

Soure, no Marajó: tela de cinema a céu aberto


Em Barra Velha e Araruna
o Vento Norte cospe
esta uma paisagem
que petrifica a vista,
encrespa o mar
e solidifica o céu
em cinza e preto:
entes que se dissipam
quando o azul celeste
os substitui, sorrindo,
salpicando por aqui e por ali
seus brancos carneiros de pelúcia
colocados lá
– não duvido nada–
por nossa mais
inusitada imaginação...


Esculturais corpos
de vermelhos mangueiros,
em exposição dispostos
aqui, ali e acolá, na floresta
e na areia, com vista para
a vasta baía, mimetizam
uma in-crível tela
de cinema natural,
pondo a nu a inadiável questão:
– Por que a longa demora
Em conhecer tal cenário?
Talvez, como diria Bob Dylan:
“A resposta, meu amigo, está soprando no vento!”
E o encanto toma conta de nós!


terça-feira, 17 de junho de 2014

Janequara: olhares para aquém e além



Já pudeste vislumbrar
a faixa arenosa
da praia de Janequara?

Ela age como uma bígama,
pois ousa trocar
com seus consortes
dois longos e
simultâneos beijos–

O beijo bege-verde
e o beijo bege-barrento
                               (ou cobreado...).

A praia se nutre
da essência da clorofila
da mata
e dos zoofictoplanctuns
do líquido fluxo
indo e vindo da Baía-do-Sol
ou do Furo das Marinhas,


       paragem esta
de cima e de longe
espionada
por olhos algodoados e azulados...

Imagine ali naquelas plagas  
           uma      alma
                                                                      s o l i t á r i a 
que desliza no piso
frio e macio do rio,
o remo deslocando
a montaria:

músculos, braços e mãos,
em automatismo,

enquanto os olhos
já filmam
                a verdura
das Ilhas Maruins,
absorto o pensamento
na piema
do pouco peixe,
e siri e camarão vasqueiros,
que ele está levando
para casa,


... para a casa e
               (mais ainda)
para as barrigas
                     roncando,

enquanto ao longe
um caminhão da Ricosa
na pista da ponte
Sebastião Rabelo de Oliveira,
carregando produtos
alimentícios
para o outro lado da Ilha,


onde eu,
saboreando
         uma bolacha Cream Crcker
, e sorvendo café com leite,
           deslizo a esferográfica Bic

para

, no leito destas páginas,
imprimir estas imagens
puramente ficcionais
                e
,paradoxalmente,
     nascidas da mais

           pura realidade...