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sexta-feira, 20 de junho de 2014

Letra do samba de enredo dos Piratas da Ilha para o Carnaval 2014: uma leitura possível

        Aqui apresento um texto que escrevi no calor da semana anterior ao Carnaval e seu desfile oficial na ilha de Mosqueiro. Trata-se de uma percepção bem pessoal, mas que assume uma visão analítico-interpretativa de um leitor que pretende dar seu pitaco, de um ponto de vista cauteloso, ao ponto de não extrapolar os limites interpretativos, embora especule no rumo de possíveis interações com os contextos sugeridos no interior do próprio texto da letra do samba. É isso.
          Primeiro, segue a letra do samba e os referidos créditos. Após, segue nossa contribuição.

ENREDO: Banthu e Pinhama em perfeita relação com o poder da criação
COMPOSITOR: Jorge do cavaco 
INTÉRPRETES: Carlinhos do Samba, Dimas Júnior, Justino e Denilson

Míticas é o meu canto de emoção
Que vai tocar os corações
Na luta em defesa do planeta
Com esperança no futuro que virá
Vamos todos preservar a terra
Ter compromisso com um mundo bem melhor
Vivendo sempre em harmonia
O homem e a natureza em perfeita relação

Preservar eis a questão
Pro futuro de outras gerações
Conservar a diversidade do planeta
Respeita e cuida sem destruição

Da Grécia berço da sabedoria
Vem pro mundo exemplo de cidadania
Liberdade com respeito e participação
Sem desigualdade social
É no poder da informação
Que vem pro mundo a transformação
O desmatamento aquece a terra
O lixo polui o rio e mar
O fogo que queima a floresta
Destrói fauna e flora sem perdão
Sou Piratas, fonte de luz que irradia
Um alerta contra devastação
Pro lindo renascer de novo

Olorum, nzambi criador do universo
Os orixás, babalorixás, babalaos relação de fé
Banthu, pinhama são vermelho e branco
Divina obra do poder da criação.


               *     *      *
Após singrar os Sete Mares em seus galeões imaginários, a Nação Piratiana está retornando agora pelas águas do Rio Pará, deslizando pelas baías do Mar Dulce (de Santo Antônio, do Marajó e do Sol) e pelo Furo das Marinhas, circunavegando nossa querida Ilha do Mosqueiro, em meio ao balanço das grandes marés e do Carnaval 2014, aportando na passarela do samba e brindando seus brincantes e o público em geral com o enredo Banthu e Pinhama em perfeita relação com o Poder da Criação.
            Resolveram empreender essa viagem, não só pelos espaços, mas também pelos tempos, pelas Eras, para poderem se nutrir de saberes e fazeres pertinentes ao tema e enredo abordados. O propósito, em parte, é compreender por que nos tempos atuais a espécie humana, de modo geral, pouco (ou quase nenhum) respeito demonstra em relação ao ecossistema, e, assim, constatar que, além disso, não está se importando nem com o futuro do planeta nem com o da Humanidade.
Outro propósito da viagem é compreender como os ancestrais de nossa espécie pensavam a relação Humanidade-Natureza-Criador; em outras palavras, a relação entre Deus, Ser Humano e Natureza, que na tradição religiosa de determinadas culturas africanas, como as da nação banto, seria a relação Olorum/Nzambi-Banthu-Pinhama: o Poder da Criação, os Seres Humanos e os Animais, aqui a palavra tomada como sinédoque (a parte pelo todo), representando, na verdade, toda a natureza.
Percebemos, porém, de tempos para cá, que o ser humano ocidental fundou um modo de vida que buscou separá-lo da natureza, mas sempre querendo transformá-la, via exploração irracional e irresponsável de seus recursos: queimando, aterrando, desmatando, poluindo, extinguindo espécies, levando o planeta e as comunidades humanas espalhadas pela Terra à escassez de comida e água, ao superaquecimento, às catástrofes que surgem com as transformações climáticas.
Na cultura religiosa dos africanos da nação banto, não há essa separação, esse divórcio, entre seres humanos, meio ambiente e universo. Tudo está, de fato, intimamente ligado por uma força vital e universal criadora e unificadora, nomeada pelos sinônimos Olorum/Nzambi, que faz com que todo o ambiente, representado aqui por Pinhama, e toda a humanidade, figurada por Banthu, comunguem de uma mesma origem e um mesmo princípio e propósito harmonizadores.
O tema – ligado à questão ambiental– e nosso enredo – homem e meio em harmonia entre si e também com o Criador– faz remeter panoramicamente à Antiguidade e reconhecer indubitavelmente no pensamento dos sábios gregos as primeiras reflexões e inquietações registradas em obras escritas, muito pertinentes, a respeito desse futuro divórcio que caracterizará as futuras ações impensadas do ser humano em relação ao ambiente no qual deveria se sentir mais integrado, fato que deveria ocorrer, mas não ocorre, de modo algum, nos tempos atuais, contexto em que a ausência de uma consciência mítica ancestral, daqueles tempos recuados na História, muito tem prejudicado o ser humano.
Mas a USPI (Universidade de Samba Piratas da Ilha) conclama a todos, em seu enredo e samba, um retorno a esse modo de vida, a esse ciclo ancestral, no qual um consórcio perfeito e total do ser humano com a natureza pode ser um anseio a ser concretizado. E é pela fé nos Orixás (Ogum, Oxum, Xangô etc.), que simbolicamente representam as forças da natureza e fazem o intermédio entre o plano físico e o espiritual, com a ajuda dos babalorixás e babalaôs (os sacerdotes), que todos nós podemos despertar para uma consciência ecológica de caráter mais pleno e ético.
Esta época contemporânea endeusa a ciência e a tecnologia, que pouco valem sem a consciência ambiental. Todo o conhecimento produzido, todas as invenções, inclusive a cura para tantas doenças, todas as riquezas acumuladas e que causam a desigualdade social, tudo isso e mais o que se possa imaginar, de nada valerão em um futuro sem futuro, de Terra devastada e doente. Por isso, a informação deverá privilegiar uma consciência cidadã, para reservar, preservar e conservar a diversidade em um planeta que é, verdadeiramente, nosso lar.
E não só de informação se precisa; precisa-se também de formação da consciência crítica para se vencer esta “luta em defesa do planeta/com esperança no futuro que virá”. Por isso Os Piratas da Ilha estão na avenida para divulgar pela música, pelo canto e pela dança “Um alerta contra a devastação/ Pro lindo renascer de novo”. Assim, é preciso sedimentar no coração do povo que lutar por um futuro melhor é preciso. É preciso preservar, para as gerações que virão, um planeta saudável para se viver, uma plenitude de vida e de felicidade duradoura que é possível, se lutarmos agora para trazer de volta uma relação homem e natureza mais harmônica.

E é aí que nossa herança afrodescendente pode fazer a diferença, pois no pensamento religioso banto o elemento Homem é visto como parte integrante da Natureza e obra (como esta, também) da Criação. Preservando a Mãe Natureza, estaremos agindo em conformidade com a Ética e respeitando o Criador. E estamos deixando hoje uma herança fecunda para as gerações futuras, que nos verão com um olhar benévolo, pois estarão lá na frente nos agradecendo pelo belo planeta que herdaram de nós.

quarta-feira, 18 de junho de 2014

Soure, no Marajó: tela de cinema a céu aberto


Em Barra Velha e Araruna
o Vento Norte cospe
esta uma paisagem
que petrifica a vista,
encrespa o mar
e solidifica o céu
em cinza e preto:
entes que se dissipam
quando o azul celeste
os substitui, sorrindo,
salpicando por aqui e por ali
seus brancos carneiros de pelúcia
colocados lá
– não duvido nada–
por nossa mais
inusitada imaginação...


Esculturais corpos
de vermelhos mangueiros,
em exposição dispostos
aqui, ali e acolá, na floresta
e na areia, com vista para
a vasta baía, mimetizam
uma in-crível tela
de cinema natural,
pondo a nu a inadiável questão:
– Por que a longa demora
Em conhecer tal cenário?
Talvez, como diria Bob Dylan:
“A resposta, meu amigo, está soprando no vento!”
E o encanto toma conta de nós!


terça-feira, 17 de junho de 2014

Janequara: olhares para aquém e além



Já pudeste vislumbrar
a faixa arenosa
da praia de Janequara?

Ela age como uma bígama,
pois ousa trocar
com seus consortes
dois longos e
simultâneos beijos–

O beijo bege-verde
e o beijo bege-barrento
                               (ou cobreado...).

A praia se nutre
da essência da clorofila
da mata
e dos zoofictoplanctuns
do líquido fluxo
indo e vindo da Baía-do-Sol
ou do Furo das Marinhas,


       paragem esta
de cima e de longe
espionada
por olhos algodoados e azulados...

Imagine ali naquelas plagas  
           uma      alma
                                                                      s o l i t á r i a 
que desliza no piso
frio e macio do rio,
o remo deslocando
a montaria:

músculos, braços e mãos,
em automatismo,

enquanto os olhos
já filmam
                a verdura
das Ilhas Maruins,
absorto o pensamento
na piema
do pouco peixe,
e siri e camarão vasqueiros,
que ele está levando
para casa,


... para a casa e
               (mais ainda)
para as barrigas
                     roncando,

enquanto ao longe
um caminhão da Ricosa
na pista da ponte
Sebastião Rabelo de Oliveira,
carregando produtos
alimentícios
para o outro lado da Ilha,


onde eu,
saboreando
         uma bolacha Cream Crcker
, e sorvendo café com leite,
           deslizo a esferográfica Bic

para

, no leito destas páginas,
imprimir estas imagens
puramente ficcionais
                e
,paradoxalmente,
     nascidas da mais

           pura realidade...

sábado, 17 de maio de 2014

Reflexões

Ainda em conformidade com nossa última postagem, refletimos sobre o conhecimento, sobre o uso consciente da Ciência, da Tecnologia aliada à Cultura e ao Trabalho, fazendo links com a Ética nas relações de trabalho nas unidades escolares, além do fazer cotidiano da docência, do trabalho de produzir conhecimento nas várias áreas do saber, ainda abordando o problema da vaidade intelectual.

Por Alcir Rodrigues

Discurso para leitura em uma Mostra Científica e Cultural da Escola Honorato Filgueiras


            O ser humano, diferentemente de quaisquer outros seres, é dotado de razão. É capaz de observar a realidade, as outras pessoas, a si mesmo, o mundo inteiro, enfim, e refletir a respeito de tudo isso, buscando respostas para seus anseios, seus questionamentos, suas inquietações. E, a partir das primeiras respostas, outras questões, cada vez mais profundas e complexas, surgem. Soluciona uma situação-problema, outras mais difíceis lhe assomam. Mas é da natureza humana libertar-se do interior da caverna obscura da ignorância –como nos ensina Platão– e buscar a luz, a clareza, a solução para suas perplexidades.
            Nessa busca, percebe que o conhecimento é uma estrada pedregosa e espinhenta para se trilhar; também é longa, sinuosa. Os obstáculos podem surgir a cada nova curva, a cada ponte, a cada possível desmoronamento ou íngreme ladeira. Por causa disso, para o bom estudante – pesquisador, pesquisadora–, ter um projeto de vida é importantíssimo, com etapas a curto, médio e longo prazos, concretizando-os aos poucos. Uma pessoa, como nos ensina Sartre, nunca é o que é, torna-se o que quer ser, libertando-se, inclusive, da alienação do pensamento individualista, superando-o por meio de ideais coletivistas, que buscam o bem- comum.
            O conhecimento é, sim, o caminho para um mundo melhor. Entretanto, é imprescindível que o conhecimento supere a barreira do que é entendido como estanque, que teima em separar a teoria da prática. Só que, ao se adotar uma perspectiva menos focalista e mais holista, passa-se a ter a convicção plena de que é necessário praticar a teoria e teorizar a prática, pois uma não existe sem a outra. E nossa Mostra é uma experiência de pôr em prática a teoria estudada, além de que tem como uma de suas mais cruciais finalidades dar ensejo à autonomia que deve ser mais cultivada entre as/os estudantes e que deve também nortear suas vidas desde já, considerando-se como pesquisadores, que já o são.
            Nossa escola tem o compromisso de estimular cotidianamente o trabalho docente/discente no âmbito da produção científica a partir da pesquisa estudantil dentro das Áreas do saber, quais sejam: Códigos, Linguagens e suas Tecnologias, Ciências da Sociedade e suas Tecnologias e Ciências da Natureza e suas Tecnologias. Assim, o conhecimento empírico do senso comum será compreendido como o não único existente, ao lado do religioso, do filosófico e do científico. Nessa perspectiva, é certo que nossa escola cresce, cresce com a estudantada, cresce com a comunidade e amadurece como instituição séria que é. Todos nós, de fato, como componentes da comunidade escolar honoratense, temos a obrigação de fazer desta Mostra o pontapé inicial de uma atividade promissora, que não será a última. Outras virão. Obrigado!

*

The Cooper-Hofstadter polarization

            Sheldon Cooper e Leonard Hofstadter são protagonistas da série de televisão norte-americana The Big Bang Theory (A Teoria do Big Bang), veiculada pelo canal pago Warner. Os dois são doutores em Física, trabalham no Instituto de Tecnologia da Califórnia, conhecido comumente como Caltech, diretamente ligado à Nasa, e dividem um apartamento. Portanto, são amigos, além de serem, vez por outra, parceiros em alguns projetos de pesquisa.
            Só que, no episódio 9 da 1ª temporada, denominado de “A polarização Cooper-Hofstadter” (“The Cooper-Hofstadter polarization”), houve uma certa ruptura na relação de amizade e cooperação entre eles. Esse fato ocorreu quando foram convidados a explanar, em uma conferência sobre Física, a respeito de uma pesquisa da qual os dois foram coautores em publicação em periódico especializado.
            Leonard ficou chateado porque Sheldon jogou o convite na lixeira (onde, por acaso, foi encontrado), sem sequer lhe mostrar, alegando este último que não iria palestrar para pessoas que nada entenderiam da matéria tratada, menosprezando-as e considerando-as pouco inteligentes. Mas Leonard queria ir ao evento, no que teimosamente se opôs Sheldon, reafirmando que não iria e nem autorizaria Hofstadter a conferenciar sem sua participação.
            Mas Leonard foi assim mesmo, na companhia da namorada Penny e dos amigos, também cientistas (e nerds, também!), Howard e Haj. Como era de se esperar, tudo correu bem com a explanação de Leonard, até o momento perto do fim, quando se abriu espaço para questionamentos e debate.
            Para surpresa de todos, desde o público da conferência até os telespectadores, passando pela namorada e os amigos e – acima de todos, Leonard–, quem está ali, sentado no meio do público, disfarçado? Nada menos que o Prof. Dr. Sheldon Cooper, que retira o disfarce e ataca em voz alta a qualidade do que foi exposto, exceção aberta, segundo ele, à piada contada pelo conferencista no início, que foi hilária.
            Indo na direção de Leonard, fica a seu lado no tablado do auditório. Lá, começam a discutir e, antes de partirem para as vias de fato de uma briga cômica e desastrada, em que Sheldon tenta, com o poder de sua mente, destruir a mente de seu ‘colega’, ao estilo do filme Scanners, e este segura suas mãos, para que não possa colá-las na sua fronte, para focar seu poder de destruição, começam então a discutir.
            Em outras palavras, Sheldon reitera que não necessita da condescendência de pessoas com mentes menores, dirigindo-se nesse momento para audiência, com a expressão: “No offense!” Leonard, também, em dado momento da discussão, diz algo semelhante a: “Não sou o único mais inteligente que qualquer um nesta sala!” E também tenta retificar: “No offense!”
            Tudo é filmado por Howard, que concomitantemente responde à pergunta feita por Penny, dizendo ser ‘aquilo’ muito comum em eventos científicos de Física, salientando que aquela “batalha de egos” é corriqueira nos ambientes acadêmicos. Sem nenhum titubeio, tudo é postado na Internet e torna-se vídeo ‘viral’. E parece que o propósito destas linhas se perdeu...
            Talvez nem tanto, já que gostaria de fazer algumas considerações a respeito desse episódio. Primeiro, que se poderia renomeá-lo como “The Cooper-Hofstadter EGOpolarization”. Traduzido o novo título para o português, ficaria assim: “A polarização dos egos: Cooper X Hofstadter”. É, o egocentrismo não é nenhuma exceção entre pesquisadores acadêmicos. Além disso, a atividade nas Instituições de Nível Superior são uma espécie de berçário para a vaidade intelectual, esta que vem sempre acompanhada por pitadas de outras especiarias, tais como: um pouco de arrogância, de presunção, de pretensão, de empáfia e de antipatia mesmo, em muitos casos.
            Na verdade, em alguns contextos, esses substantivos podem assumir propriedades sinonímicas, isto é, denotam sentidos semelhantes uns em relação a outros. O que importa, mesmo, é que apresentam axiologias negativas, marcadas semanticamente pelo sinal de menos (-). Trata-se aqui de sintomas advindos da competitividade comum ao mundo da pesquisa acadêmica, bem ilustrado por Pierre Boudieu no livro Os usos sociais da ciência, no qual considera importante entender esse lado ruim das relações sociais na academia:

Compreende-se que nessas condições se esteja longe da visão hagiográfica da ciência que é desmentida por tudo o que se conhece da verdade da pesquisa: os plágios, o roubo de ideias, as querelas de prioridades e tantas outras práticas que são tão antigas quanto a própria ciência. (2004, p. 31)[1]

            Na verdade, tais posturas desprezíveis atravessam transversalmente todos os campos imagináveis (e talvez, até, inimagináveis) da atividade humana. E, se estão tão bem corporificadas no nível superior de ensino, por que não estariam muito bem instaladas, também, na educação básica? Talvez isso não ‘acontecesse’ frequentemente antes da criação de certos programas implementados pelo MEC, tais como o ProEMI (Programa Ensino Médio Inovador), que injetam verba considerável para capital (aquisição de material permanente) e custeio (material de consumo e pagamento de serviços) no que se chama de PRCs (Projetos de Redesenho Curricular).
            Também porque, em passado distante, ou mesmo recente, não havia tantas ‘olimpíadas’, de tantas numerosas disciplinas, nem tantos encontros, feiras ou mostras científicas e culturais Brasil adentro ou afora, pela América Latina, subsidiados por verbas para “bancar” os deslocamentos e estadias, intercâmbios, até, que antes eram um sonho quase impossível e que agora se tornaram um barril de possibilidades para quem pesquisa, mesmo na Educação Básica.
            Mas a disputa, o arrivismo, as acusações de plágio, os confrontos relacionados ao capital científico; enfim, uma gama de problemáticas acirradas já se instaurou nesse segmento tão importante, principalmente no Ensino Médio. É disso que trataremos, de modo bem genérico, é verdade, no segmento textual subsequente, fazendo referência, principalmente, aos percalços enfrentados pela Coordenação e pelo Conselho Escolar, advindos de envios de ‘provocações’ via redes sociais, por meio de figuras já denominadas de haters (palavra etimologicamente advinda do verbo da língua inglesa to hate, traduzida como ‘odiadores’).

                        Retomada de um assunto afim: fazer Docência e/é fazer Ciência


            É preciso tomar bastante cuidado com o emprego da linguagem, ao se tratar do fato de se fazer (ou não) Ciência. Alguns, ao usarem a tecnologia, manipularem equipamentos ultramodernos e complexos, confundem-se e pensam que estão a produzir Ciência. Em certos casos, sim; em outros, talvez; em diversos outros, não. É sobre essas questões que discutiremos neste texto.
            O estudo científico nunca prescindirá do caráter investigativo que o faz tornar-se Ciência. E, muitas vezes, o pesquisador, na busca por respostas, tem apenas o alcance das perguntas. As respostas só virão, em muitos casos, em tempos vindouros. Talvez até longínquos. A demora também se dá em relação à aceitação, pelo mundo acadêmico, das descobertas recentes ainda não tão bem acomodadas aos moldes do ideário contemporâneo (Que não seja, pois, uma Cama de Procusto).
            Porém, é justamente a partir de boas e significativas perguntas que a boa e velha Ciência se consolida. Problematizar é preciso. Viver não é preciso, parafraseando Fernando Pessoa. E, por isso, é premente que se possa aceitar como questionamento plausível esta inquietação: –  Até que ponto algumas pessoas, na trilha de seu fazer cotidiano da práxis docente, não estão se guiando pelos ‘parâmetros’ do estrelismo e da vaidade?
            Algures li que Pitágoras cria que os conhecimentos da Matemática eram destinados somente a iluminados. E, em uma atitude típica de quem assim se considera, tentou escamotear a existência de números irracionais, pois almejava que sua ideia de que o número rege o universo fosse uma verdade absoluta. E, para tanto, o número deveria ser perfeito.
            Na busca por um cientificismo puro, um experimentalismo a toda prova, não podem alguns estudiosos descambar, como muitas vezes já aconteceu, para o rumo do que já se convencionou chamar de “razão instrumental”? Pode existir Ciência sem consciência (com-Sciência)? O processo de ensinar-aprender Ciência não elide, indubitavelmente, seu caráter humano de se produzir, divulgar e compartilhar o conhecimento. Assim como não poderá, jamais, elidir a Ética, o respeito ao trabalho do colega, o respeito ao trabalho em equipe.
Nesse caminho, existe a possibilidade do erro. Mas é de tentativas e erros que nascem os acertos. Além disso, sempre estamos a nos apoiar em ombros de gigantes, não é mesmo? Então, o que Descartes pensaria da transformação de seu silogismo mais afamado neste reles sofisma abaixo?
            “Eu faço Ciência;
            Logo, existo.”
            E o que pensaria ele deste também?
            “Os outros não são Eu;
            Logo, não fazem Ciência [como Eu faço].” 

            Há muito de eu e pouco de nós em um discurso que condena a prática do outro (ao mesmo tempo que louva a sua), esquecendo de que o trabalho em equipe potencializa e dá andamento mais seguro e veloz na prática do docente-pesquisador.
            Não é de hoje que se vê na Educação a grande importância dada em se elencar como legítimos apenas os conteúdos conceituais, deixando-se de lado os conteúdos procedimentais e os atitudinais. (Respectivamente, os primeiros dizem respeito a o que se deve ensinar; os segundos, a como se deve ensinar aquilo que se deve ensinar; já os terceiros, estão vinculados a valores éticos e de cidadania, buscando um para quê se deve ensinar aquilo que se deve ensinar.)
            Nem seria necessário dizer, contudo é bom evidenciar, que os paradigmas educacionais vigentes consideram que Ciência, Tecnologia, Trabalho e Cultura constituem um quadrinômio basilar que deve indiciar um norte à prática do binômio ensino-aprendizagem. Como diria Montesquieu em relação aos Três Poderes (Executivo, Legislativo e Judiciário), são soberanos, isto é, independentes, mas também harmônicos entre si.
            Fazer Ciência na contemporaneidade é praticamente improvável a partir unicamente da unilateralidade do fazer especulativo. O apoio da experimentação é essencial para a comprobabilidade do que se postula. É aí que a tecnologia entra como ferramenta poderosa de apoio ao processamento da práxis científica.
            Os tipos de metodologia de análise científica e uso de tecnologias variam significativamente – é preciso mencionar–, de Ciência para Ciência, de uma área do conhecimento para outra. E muito por causa disso, uma pesquisa em uma área não deveria ser mais valorizada que a pesquisa em outra área. Entretanto, é o que comumente ocorre, o que constitui um grave erro, justo por que se diz que uma ou outra pesquisa é mais estratégica que outras.
            Na verdade, sempre há mais verbas para tudo o que está ligado a certas áreas, como no caso dos U.S.A., a área bélica. Trata-se de um exemplo emblemático. Tal fato já dá ideia do porquê do caos ao qual os seres humanos têm conduzido globalmente suas sociedades, e o colapso ao qual estão levando o planeta inteiro, por causa de metas irracionais de desenvolvimento econômico sem desenvolvimento socioambiental.
            O ser humano, de fato, só se constitui em sua integralidade como ser humano de fato e de direito perante a sociedade por ser potencialmente um ser de múltiplas inteligências, como bem o diz Howard Gardner, embora desenvolva melhormente algumas inteligências mais que outras. E nenhuma inteligência pode ser ‘melhor’ do que outras.
            Certamente, há um sem-número de males a serem combatidos em instituições públicas, ou privadas, em geral. E um dos piores em instituições públicas, no mundo todo, porém mais notoriamente (para nós) aqui no Brasil, é a falta de comunicação e integração entre funcionários em geral, além de arrivismos entre equipes e entre indivíduos. Nada funciona nessas unidades estatais por causa disso, principalmente quando dizem respeito a esses fatos, infelizmente, em estabelecimentos de ensino.





[1] BOURDIEU, Pierre. Os usos sociais da ciência: por uma sociologia clínica do campo científico. SP: UNESP, 2004.

O problema da vaidade intelectual

          A vaidade intelectual causa, no mínimo, um afastamento das pessoas mais ou menos próximas e cria um entrave à formação de amizades e gera, assim, um princípio para o isolamento antissocial.
          Se já cria problemas incômodos em diversas atividades humanas, mais ainda é capaz de transtornar ambientes sensíveis como os de instituições de ensino.
           É com esta discussão que estou tentando "ativar" novamente este meu Blog, há tanto tempo não alimentado, por causas múltiplas.
           Abaixo, reposto texto muito bom de Antônio Ozaí.

Revista Espaço Acadêmico, nº 45, fev., 2005- Mensal-ISSN 1519.6186,ano IV
Sobre a vaidade no campo acadêmico
Ele entra na sala de aula e escreve o seu nome na lousa: Prof. Dr. fulano de tal. Durante sua brilhante exposição – de acordo com a sua própria opinião – um aluno, um tanto desatento às exigências hierárquicas e ritualísticas, lança-lhe uma pergunta. O problema não está no questionamento. O Prof. Dr. fulano de tal, do alto da sua sapiência naquilo que lhe dá o status de “o” especialista, tem resposta para tudo (e se não tem, enrola, pois quem ousará duvidar da sua autoridade?!). Não, a irritação que oProf. Dr. fulano de tal expressa em seu tom de voz é uma reação à impertinência do aluno. E ele, o professor, deixa-o claro na resposta: “Aqui em sala de aula – e aponta para o escrito na lousa – sou o Prof. Dr. fulano de tal. Pobre aluno que ousou chamá-lo apenas de professor!
Ela é doutora, uma das poucas naquela instituição. Isto lhe parece garantir status diferenciado em relação aos demais. Os colegas comentam nos corredores sobre a arrogância da Profª Drª fulana de tal. Mas eles têm lá as suas vaidades e, no final das contas, a Profª Drª fulana de tal sabe que, embora não tenham o mesmo título, desempenham a mesma função – e quem sabe, sejam melhores naquilo que fazem! Por via das dúvidas, ela tem o cuidado de não ultrapassar certos limites. Muito diferente se dá em relação aos seus alunos. Estes, coitados, têm apenas como mérito a vitória no funil do vestibular. Para a elaisto não tem grande valor – e talvez ela tenha razão, pois não há correspondência direta entre memorização de conteúdo, inteligência e capacidade de reflexão crítica.[1] Ela não admite intromissão dos alunos; os que ousam lhe dirigir a palavra são rispidamente colocados em seu devido lugar. A Profª Drª fulana de tal não admite, sobretudo, questionamentos sobre asverdades que verte diante dos pupilos. Os que insistem em questioná-la são silenciados e ela não hesita em usar adjetivos nada positivos para aquelas mentes em formação. “São uns burros! Estudem primeiro!” (Quem sabe quando tiverem doutorado possam conversar de igual para igual; o que não sabemos é se a Profª Drª fulana de tal ainda estará sobre ou sob a face da terra). Mas eis que os alunos decidem protestar e mostram que são inteligentes o suficiente para adotar uma estratégia cujo resultado é tão positivo quanto dolorido: o desprezo. Um belo dia ela se dirige à sala de aula e se vê diante de uma situação inusitada: a sala está vazia; os alunos e os móveis utilizados por estes estão na parte externa da sala; dentro, apenas a mesa daProfª Drª fulana de tal. A propósito para que serve o educador se não tem a quem educar?
Ele é um excelente professor. Domina o conteúdo e se impõe em sala de aula. Para ele, rigor científico equivale às grandes teorias expostas por autores que escrevem em estilo ininteligível para a maioria dos seres mortais.[2] Para ler tais textos, e compreendê-los minimamente, seus alunos precisam recorrer aos dicionários das várias áreas do conhecimento humano. Ele não se importa, afinal já sabe e teve que passar por isso. Sua linguagem obedece à formação teórica, política e ideológica que teve: é igualmente ininteligível. Numa das suas aulas, os alunos conseguem trazê-lo para o mundo real e estabelecem acirrado debate sobre as eleições. Ele se vê pressionado pelo questionamento da sua posição política. Então, ele recorre àquele tipo de argumento aparentemente inquestionável e que finda qualquer discussão: “Vocês não compreendem, vocês só lêem o jornal Folha de S. Paulo”. Pronto! Em outras palavras: “Como ousam discutir comigo, eu que tanto li e que tenho a experiência dos anos? Cresçam, leiam os textos que li, estudem os autores que estudei e, então, talvez terão condição de me questionarem”. A vaidade dificulta o entendimento de que a retórica pomposa nem sempre dá conta de tudo; que a realidade é mais rica que a cinzenta teoria; e que, para se posicionar politicamente, nem sempre é necessário o domínio das teorias complexas. Sua atitude demonstra uma visão elitista e preconceituosa em relação ao conhecimento que não se enquadra nos cânones formais da academiahttp://discountdragon-a.akamaihd.net/items/it/img/arrow-10x10.png. O professor perdeu o debate político, as estribeiras e do alto da sua alegada experiência, fundada no acúmulo de leituras, ele se mostra incapaz de manter o equilíbrio diante dos seus tão inexperientes alunos. Ele perdeu também a oportunidade de refletir sobre os vínculos entre a excelência do seu conhecimento teórico e a vaidade no inconfessável sentimento de superioridade.
Ela escreve mal. Seu estilo é panfletário. Uma eterna repetição de slogans e fórmulas desgastantes, recheadas por inumeráveis citações, argumentos de autoridade que, repisados à exaustão, demonstram pelo menos uma coisa: ela é leitora de um único autor. [3] Sua verdade é a verdade revelada pela interpretação do texto sagrado. Ela talvez não tenha consciência do que faz, mas age como sacerdotisa de um culto profano. É a guardiã do dogma, é sectária. Mas... ela é sua Ex.ª a Drª., e tudo lhe será perdoado! Como disse Aquele cujo nome conhecemos: “Ela não sabe o que faz!” Ela continuará a associar as palavras e se imagina a auctoritate no assunto. Uma autoridade menor, é verdade; uma espécie de reflexo de uma luz maior e poderosa, isto é, a autoridade na qual se espelha e cita abusivamente.[4] Ela propaga esta luminosidade, se nutre dela. Em sua humilde condição de discípula, ela se vê como o instrumento de difusão da energia que deve alimentar a humanidade. Todo o seu poder advém do autor sacralizado e dos seus livros canônicos.[5] Não obstante, não esqueçamos: ela é a Ex.ª a Drª  E isto lhe dá mais força em sua missão redentora; dá-lhe, ao menos, a condição de estabelecer um séqüito de aprendizes e guardiões do dogma. Seu profeta ainda não foi canonizado pela Santa Madre Igreja, mas foi elevado à altura dos cânones reconhecidos pelos profanos, os quais constituem várias igrejas – que polemizam entre si, mas se saciam nas mesmas fontes.
Ele escreve bem! Seu estilo é erudito e demonstra ruptura com os enquadramentos estanques entre as diversas áreas do conhecimento humano. Definitivamente, ele não é um especialista. O que o qualifica positivamente, pelo menos na percepção de alguns dos seus colegas, é visto como embuste pelos mexeriqueiros a postos. “É um charlatão!”, dizem as más línguas. Não devemos legitimar este tipo de comentário, nem participarmos do jogohttp://discountdragon-a.akamaihd.net/items/it/img/arrow-10x10.png mais antigo e preferido dos que passam a própria vida a falar da vida alheia. Contudo, como diz o dito popular, “onde há fumaça, há fogo”. Quando se escreve sobre tudo e todos, arrisca-se a perder o bom senso sobre a limitada capacidade humana em relação ao conhecimento. Assim, se tais injúrias nos chegam aos ouvidos, devemos ter o bom senso de pensar sobre o nosso proceder. Mas eis que entra em cena a vaidade: imersa em sua própria luz, sua Ex.ª o Dr. faz ouvido de mouco. E a sua fama atinge o ápice. Um olhar atento e não propenso aos mexericos poderia ajudá-lo a perceber que sua pretensa erudição não é suficiente para mascarar o conhecimento enciclopédico e dicionáristico; e, talvez o mais importante, poderia contribuir para que ele tivesse o bom juízo de não se imiscuir no que não deve. Mas quem ousará falar-lhe sobre tema tão complexo e, ainda por cima, tenha a capacidade de não ferir sua vaidade? O risco é que ele, embevecido, não o escute e ainda lhe atire a pecha de invejoso ou algo parecido.
Seja num ou noutro caso, o que escreve bem ou mal, é muito difícil tecer qualquer comentário sem ferir susceptibilidades. A propósito, há no meio acadêmico uma falsa identificação entre titulação e capacidade de escrever. O fato de o indivíduo ter o título de doutor não é garantia automática de que ele saiba escrever bem e, muito menos, que é um bom professor – no sentido didático e pedagógico. Escrever bem não é apenas juntar palavras e formar frases altissonantes. A suposta erudição demonstrada num texto ininteligível não é, necessariamente, uma qualidade intelectual; pode ser, simplesmente, pura afetação. A complexidade na linguagem muitas vezes caracteriza um exercício de arrogância, de pose acadêmica, relacionado à necessidade do intelectual em se firmar pelo status.[6]
Mas, voltemos à sua Ex.ª o Dr. No fundo ele se imagina imune ao risível. Portanto, ele age com naturalidade, como se os simples mortais, incluindo seus alunos, fossem obrigados a pagar um tributo à sua titulação. Estes, por seu turno, projetam nele o futuro a ser alcançado. Suas atitudes passam a ser modelares – para o bem e para o mal. Além de modelo a ser seguido – ou repudiado – o Prof. Dr. fulano de tal, pela posição que ocupa na hierarquia acadêmica, tem recursos para manter aos alunos sob sua dependência.
É claro, há as exceções. Tomemos os exemplos acima como tipos ideais. Não significa que existam na realidade exatamente como descritos, mas representam espécies que podem ser encontradas na selva acadêmica. E, a favor, destes tipos, devemos acrescentar que: 1) a cultura e os valores predominantes no campo acadêmico são elitistas; 2) a universidade reproduz os princípios que fundamentam a competição na sociedade; 3) a vaidade é humana.
Demasiadamente humano
A vaidade é humana, demasiadamente humana! Eis um pleonasmo necessário. Sim, porque muitas vezes são precisamente tais características as que menos se tornam objeto de nossas reflexões – e não me refiro aos exercícios mentais filosóficos, sociológicos ou coisa do tipo, mas sim, a uma atitude que, me parece, deveria pautar nossas ações cotidianas. Comecemos por assumir que, em menor ou maior grau, todos somos vaidosos. Já os antigos, através do mito de narciso, ensinaram que o desejo desenfreado em atrair a admiração e a atenção produz conseqüências que podem ser trágicas. No limite é uma demonstração de tremenda sandice.
É incrível como, mesmo diante de situações nas quais a vaidade não faz qualquer diferença, os homens e mulheres não conseguem se livrar deste sentimento. O diálogo entre um jardineiro e o visitante de um cemitério, escrito por Alexandre Dumas Filho (2003:47), em A Dama das Camélias, ilustra bem este aspecto:
“Quero dizer que existe gente que é orgulhosa até no cemitério. Parece que esta mademoiselle Gautier fazia a vida, desculpe a expressão. Agora ela está morta e é igualzinha às mulheres que nada fizeram de reprovável e das quais regamos as flores todos os dias. Pois bem, quando os parentes das pessoas que estão enterradas ao lado dela souberam a vida que essa moça levava, revoltaram-se por ela ter sido enterrada aqui e disseram que deveria haver um lugar só para esse tipo de mulheres, como há para os pobres. O senhor já viu uma coisa dessas? Eu teria postos essas pessoas no lugar deles! Gente gorducha que vive de rendas, que não vem sequer quatro vezes por ano visitar seus defuntos, que traz pessoalmente as flores... e veja que flores! Eles reclamam dos gastos de conservação das sepulturas daqueles por quem dizem chorar, escrevem nas lápides sobre lágrimas que jamais derramaram e se fazem de difíceis, querendo escolher a vizinhança”.
Durante muito tempo acreditei que a morte nos igualava. “Pelo menos isso!”, pensava. Hoje, tenho consciência de a sociedade cria desigualdades que extrapolam o próprio caráter da finitude humana. Mas deixemos estes homens e mulheres de ares aristocráticos em seus próprios devaneios e retomemos o fio da meada.
Max Weber observou que a vaidade pode levar o político a cometer um dos pecados fatais em política, ou ambos, simultaneamente: se abster de assumir uma causa e do sentimento de responsabilidade. Se o político está sujeito à vaidade, o intelectual padece da mesma doença. “A vaidade é um traço comum e, talvez, não haja pessoa alguma que dela esteja totalmente isenta. Nos meios científicos e universitários, ela chega a constituir-se numa espécie de moléstia profissional”, sentencia Weber. (grifos nosso) Não obstante, o sociólogo alemão é condescendente com os colegas acadêmicos, pois considera que a vaidade do intelectual não oferece tanto risco à sua atividade quanto o que ocorre em relação ao político: “Contudo, quando se manifesta no cientista, por mais antipatia que provoque, mostra-se relativamente inofensiva, no sentido de que, via de regra, não lhe perturba a atividade científica”. (WEBER, 1993: 107) Será?! Para o estudante ou o colega que tem que suportar a vaidade desmedida, talvez seja o oposto que ocorra. Do ponto de vista puramente empírico, os que nos oferecem mais riscos são os que estão mais próximos!
Mas deixemos Weber em paz! Independentemente das suas formulações sobre a vocação do cientista e do político, o fato é que esta “espécie de moléstia profissional” grassa em nosso meio. E as pessoas sensatas talvez se perguntem: por que? Há, inclusive, a espécie de ingênuo que candidamente imagina que este tipo de comportamento é algo contraditório com o espírito culto que, em tese, permeia a universidade. “Como é possível?, se pergunta. Ele tem a esperança de que os colegas, através do diálogo e da persuasão, superem as influências nefastas que os fazem agir incivilizadamente. Como diria aquele personagem das histórias em quadrinhos: “Santa ingenuidade!!!”.
Todavia, observe-se que mesmo este tipo de ingênuo padece da mesma “espécie de moléstia profissional”: na essência sua postura é prisioneira de uma vaidade enrustida numa pretensa humildade; é uma atitude idealista, no sentido de que desloca a universidade – e os que nela trabalham – da realidade social na qual está inserida; é elitista porque, no fundo, se imagina como partícipe de um mundo constituído por seres especiais, dotados de moral e cultura superiores e capazes de escapar às futilidades humanas. Este personagem não se reconhece no mundo real e se escandaliza porque seus pares não representam o mundo imaginário do Olimpo. É vaidoso e talvez não o saiba porque lhe parece natural a vaidade de sentir-se superior!
Concluindo...
Se a vaidade é humana, não é possível compreendê-la apenas pelo senso comum quanto às atitudes observáveis no campo acadêmico. A sociologia pode contribuir para compreendermos este fenômeno.[7] E isso talvez seja um bom começo para evitarmos repetir o que reprovamos nos outros. Mas, é claro, a sociologia – ou as grandes teorias, em geral – não são antídotos para tal moléstia. Um grande passo para quem deseje se curar é voltar-se para si mesmo e... mudar de atitude. No mais é necessário muita, muita, muita paciência!


[1] Em artigos publicados nesta revista procuramos analisar criticamente o vestibular e o método de ensino decoreba, um dos seus principais pilares, e que influi sobre todo o processo de ensino-aprendizagem, do nível fundamental ao superior. Ver: À mestra e ao mestre com carinho e compreensão!O engodo do vestibular e os dilemas da classe média empobrecida“Estudo Errado”: Qual é a capital de Kubanacan?; e, As dimensões da relação aprender-ensinar; e, Vale nota, professor?!
[2] Em certos casos, a complexidade das grandes teorias também pode ser um recurso para que elas se firmem, tornando-se áreas restritas à uma ínfima minoria de especialistas. Tais teorias, como assinalou MILLS (1982:30) na crítica a Parsons, padecem de “um formalismo complicado e árido, no qual a divisão dos Conceitos e uma interminável redisposição torna-se a principal tarefa”. É preciso traduzi-las. E, então, fica nítido que a sua complexidade é um recurso formalista, ou seja, que não é preciso escrever longos e ininteligíveis parágrafos para explicar as coisas simples. Os conceitos são necessários, mas é preciso relacioná-los com a realidade social e movimentar-se entre os diversos níveis de abstração. Em geral, a ininteligibilidade esconde o fetichismo dos conceitos e cumprem uma função excludente, gerando a ilusão de que o seu domínio torna alguns superiores aos demais.
[3] A necessidade de citar e recitar está vinculada a uma espécie de humilde sacerdócio. Como analisa BOURDIEU (1998: 162): “O sacerdócio comum cita e recita; o grande sacerdócio suscita e ressuscita. Pode acontecer que leve a audácia até o ponto de expor as discordâncias ou mesmo as contradições (é o caso de Abelardo) encontradas nas fontes de revelação”.
[4] A identificação com o ‘profeta’ não é apenas um exercício de sacerdócio, ela gera dividendos, isto é, ‘lucros’: “O eu sacerdotal deriva da autoridade do profeta de origem; todavia, por maior que seja a modéstia (condição de participação no capital herdado de autoridade) que o impede de falar efetivamente na primeira pessoa, ele não pode esquecer que possui algum mérito por restaurar o capital em sua integridade através da desbanalização, revolução da leitura que define a revolução letrada.” (BOURDIEU, 1998: 160 e 62) Ele é o instrumento de propagação da palavra, a qual, proferida por ele parece-lhe ter a mesma autenticidade daquela pronunciada (escrita) pelo profeta de origem: “O sacerdócio se instaura como guardião da autenticidade da mensagem, a única capaz de proteger contra a “recaída” nos erros...” [em relação ao profeta] (Id.: 162-63).
[5] “Só o discípulo faz legitimamente o “sacrifício do intelecto” em favor do profeta, como só crente o faz em favor da Igreja. Nunca, porém, se viu nascer uma nova profecia (...) em razão de certos intelectuais modernos experimentarem a necessidade de mobilizar a alma com objetos antigos e portadores, por assim dizer, de garantia de autenticidade, aos quais acrescentam a religião, que aliás não praticam, simplesmente pelo fato de recordarem que ela faz parte daquelas antiguidade. Dessa maneira substituem a religião por um sucedâneo com que enfeitam a alma como se enfeita uma capela privada, ornamentando-a com ídolos trazidos de todas as partes do mundo. Ou criam sucedâneos de todas as possíveis formas de experiência, aos quais atribuem dignidade de santidade mística, para traficá-los no mercado de livros. Ora, tudo isso não passa de uma forma de charlatanismo, de maneira de se iludir a si mesmo”. (WEBER, 1993: 50)
[6] Com enfatiza MILLS (1982:235): “Escrever é também pretender para si um status pelo menos bastante para ser lido. O jovem acadêmico participa muito de ambas as pretensões, e porque sente que lhe falta uma posição pública, com freqüência coloca o status acima da atenção do leitor a quem se dirige.(...) O desejo do prestígio é uma das razões pelas quais os acadêmicos escorregam, com tanta facilidade para o ininteligível”. Mas também é o caso do acadêmico já em idade avançada, que, por arrogância ou falta de criatividade, procura impressionar pela falsa erudição.

Por ANTONIO OZAÍ DA SILVA
Docente na Universidade Estadual de Maringá (UEM), membro do Núcleo de Estudos Sobre Ideologia e Lutas Sociais (NEILS – PUC/SP), do Conselho Editorial da Revista Margem Esquerda e Doutor em Educação pela Universidade de São Paulo.
Disponível em: http://www.espacoacademico.com.br/045/45pol.htm . Acesso em: 17 mai. 2014.