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sábado, 5 de setembro de 2015

Barata, Jatene e Odorico Paraguaçu: quem você prefere?

     
Esta publicação pode servir para, em determinados momentos de reflexão, os educadores ponderarmos a respeito do ser e do fazer de certos governantes de ontem e de hoje (por exemplo, Magalhães Barata e Jatene). Não obstantemente —como diria um Odorico Paraguaçu— o fato de esses gestores agirem como defensores dos segmentos elitizados da sociedade, de modo geral, sempre pretenderam aparentar—no mínimo— que são uma espécie de “Pai-Dos-Pobres”, resguardadas as diferenças contextuais. Pelo menos, diríamos, alguns sabiam ‘fingir’ de modo bem mais convincente na época dos “pratrasmente”, sabendo-o menos agora, na época dos “presentementes”. O que na atualidade só se ‘faz’ porque uma mídia de extrema interconectividade ‘documenta’ de modo espantoso (não só documentando, mas também inventando), nos “antigamentes” —de novo, como diria um Odorico Paraguaçu — era preciso ‘pisar na lama’[1].

Embora sejam, atualmente, 144 municípios dentro do estado do Pará, em que cabem umas três ou quatro espanhas, uns dez portugais, umas vinte bélgicas ou holandas, sendo um tanto difícil sustentar uma agenda que cubra uma pequena mas significativa parcela dos municípios que o governador Simão[2] poderia conhecer, ainda assim seria possível mostrar ser mais ou menos um bom paraense, um bom conterrâneo (mesmo de modo a acender nosso desconfiômetro), visitando aqui e ali os municípios mais afastados, mostrando ao povo um relativo interesse, hipócrita que seja, pelo povo do estado que se governa. Aqui não se defende a hipocrisia farisaica, não. Nem o maquiavelismo, nem o cinismo. Muito menos, o populismo. O caso é que se chegou a um ponto em que foram amalgamadas diversas más qualidades em apenas um ser humano. De todas, a mais gritante é a que se denominou, aqui no Brasil, de “cara de pau”.
A preguiça é tão notória que, no momento em que se passa a referi-la, já se está chovendo no molhado. Então, fiquemos com a “cara de sucupira”, de quem sequer ventila a possibilidade de fingir se importar, por exemplo, com a educação de nossas crianças, adolescentes e jovens, além, claro, com a dos adultos que, por alguma razão, não tiveram a oportunidade do acesso a esse bem socioeconomicocultural de tamanho valor, mas que da parte do governador atual é desprezado, pelo pouco investimento de modo geral na área, não considerada por Jatene como estratégica ou prioritária. O incrível é que, pelo amor dedicado por ele à pesca ou à música (já que ele se considera violeiro e compositor) deveria investir nessas áreas, mas também não é o que ele faz. Deixem-se de lado, sem comentar também —pela obviedade, claro —, os casos relacionados aos setores da saúde, saneamento e segurança. Aliás, o que anda tendo a atenção do gestor estadual?

É difícil de dizer. Talvez impossível. Em todo caso, relacionado a essa... ca-rac-te-rís-ti-ca... marcante ventilada por nós, a cara de maçaranduba já é tanta que se chega a se crer que a realidade do descaso já supera a ficção, pelo bizarro e surreal que se tornou encarar qualquer prédio escolar da rede estadual de ensino no Pará. A experiência semelha a qualquer coisa como encarar a paisagem de alguns filmes de ficção científica, como um Mad Max (da primeira versão, de 1979), um Waterworld (1995), um Distrito 9 (2009), um Elysium (2009), um Oblivion (2013), ou, mais atualmente, um Agente do futuro (2014), entre outras películas cinematográficas que mostram o sucateamento e a decadência extrema em uma Terra onde predominam ambientes distópicos e topofóbicos, caindo aos pedaços (ao pé da letra, não metaforicamente). São lugares desagradáveis de se estar, de se estudar, de se trabalhar. É por causa disso que a ficção supera a realidade, já que Odorico Paraguaçu, embora represente fielmente a caradurice de certos gestores, é um personagem muito engraçado. E sua vilania serve para mostrar que a realidade se faz muito bem representada e escarnecida na ficção.
E para mostrar que o botox metafórico de ontem era bem menos intenso que o de hoje, compilamos abaixo uma notícia de jornal, não sem nos preocuparmos em esclarecer que não se trata de apologia, mas de mostrar um dado curioso que serve como parâmetro de comparação com os fatos discutidos neste texto. Então seguem as palavras do jornal paraense, já extinto, Folha do Norte:

                         O Coronel Magalhães Barata visitou, ontem, a Vila Balneária do Mosqueiro

                          Depois dos cumprimentos o interventor Barata e comitiva tomaram um ônibus e seguiram rumo a Carananduba. Aí, S. Excia. visitou, assim que chegou, uma escola, indagando pela frequência, professores e material escolar, determinando, antes de se retirar dessa casinha de ensino, quasi em plena mata, providências a fim de que nada faltasse aos filhos dos pobres caboclos que ali lutam pela vida (Folha do Norte, 07 jul. 1943. Grifos nossos.).

O caro leitor e a cara leitora têm toda a liberdade para tirar suas próprias conclusões.

Vale aqui registrar um PS (POST SCRIPTUM) sobre aquela piada relativa ao favorecimento na era do Interventor Barata, quando ele pede a um assessor que dê um emprego a uma correligionária sua. Ela teria o cargo de professora. Em dado momento, o assessor se dirige ao governador, dizendo-lhe:
— Excelência, mas essa senhora é analfabeta! Não podemos contratá-la...
No que Barata, peremptoriamente, sai com esta frase:
— Ora, contrate e aposente logo em seguida.


Foi muito fácil de resolver, não foi?



[1] Dias Gomes (1922-1999), dramaturgo e teledramaturgo criador da pequena e fictícia cidade nordestina chamada Sucupira, cujo prefeito se chamava Odorico Paraguaçu, personagem que se utiliza de uma linguagem muito peculiar e engraçada, carregada de neologismos (palavras novas, inventadas).
[2] Curiosamente, tal substantivo próprio é homônimo àquele que dá nome a um apóstolo de Jesus, que o traiu, mentindo e renegando-o três vezes em uma mesma madrugada, e que era também pescador, cujo nome Jesus mudou para Pedro, que é o 1º e mais importante Papa (uma espécie de Presidente ou Governador de todos os papas, que devem segui-lo por modelo).

quarta-feira, 2 de setembro de 2015

Foto rara de Mário de Andrade no Mosqueiro


Mário de Andrade em 1927, na Ilha do Mosqueiro, no Pará - Divulgação/Nova Fronteira/IEB-USP



Sabe-se que muitos esperam uma identificação da praia. O sítio virtual de onde a 'salvamos' não a identifica, porém. Por uma questão que envolve a vivência e a geração de que faço parte, impede-me de ter essa lembrança, que talvez só os mais idosos da ilha possam ter. Quem puder dizer em que lugar está o Mário da foto, por favor, poste um comentário neste blog.
Desde já, agradecemos pela ajuda.



Disponível em: http://oglobo.globo.com/cultura/livros/missao-mario-de-andrade-uma-viagem-pela-cultura-popular-inspirada-nas-pesquisas-do-escritor-16495442. Acesso em: 02 set. 2015.

O livro Chapéu Virado

CHAPÉU VIRADO, a lenda do boto - Uma História de Encantamento Amazônico

Salomão Larêdo escritor e jornalista

Ficção baseada em versões da lenda do boto.
O conto se passa em uma ilha, que pode ser a do Mosqueiro com seu Chapéu Virado que dá título ao trabalho.
O livro tem formato de bolso, pra ler em qualquer lugar. Leitura gostosa e sedutora. 


TRECHOS DO LIVRO
"Lá fora não carecia soar hora para permitir tudo fosse feito. No terreiro, cada um cuidava de fazer sua hora e tudo se permitia. Era mais saudável, a noite convidava e o rio fazia sua festa para os amantes. Tudo perfeito, tudo divino!...

Cantinflas não dava descanso e Chica não cansava. Beijos e beijos, juras de amor de tudo que Chica desejava estava ali em sua frente. Como procurou seu amado! Quem procura, acha. Encontrou!!!....
Deslumbrada ante a figura tão bela completamente perdida e totalmente apaixonada, ferida no coração por flecha possante e desejosa de carícias, pouco a pouco Chica foi-se entregando, entregando...

Quando homem a apalpava, ela suava de prazer. Quando seu homem topou as delícias daquele jeito, sentiu uma força especial e Chica uma coisa também diferente.

- Estou menstruada, amor!

Cantinflas foi lá nas alturas e voltou.

Beijos, afagos, carícias e um não sei que mais impossível de aguentar, Chica que só esperava por aquilo, que ansiara tanto tempo, que procurava, que se mantivera firme, que não abandonara a luta, poderia provar, queria provar, sonhara, sofrera por aquele amor, vivera momentos de angústias, estava com a recompensa, encontrara o homem de sunga lilás que foi assim que ele se mostrava outra vez atiçando as estranhas e todo corpo da mulher Chica e de Chica, mulher sedenta e desejada.

Chica, com todas as forças, atira-se nos braços de Cantinflas. É noite e noite de infusa beleza, dizem os poetas e se entrega com a força da total entrega...

Chica é toda ternura! Está saciada, está deslumbrada, está mais excitada e bela que nunca e repleta de sua mais vital força que é a alegria de viver e nesse estado, quase desmaia ao ver, com o clarão do dia (era o homem de sunga lilás, lindo, lindo!) que os pés de seu amante apresentam os calcanhares voltados para a frente.

Só então Chica percebe ter sido vítima do diabo sedutor das águas. O demônio existe sim e Chica está diante de sua maior tentação e pondo a memória mais que rápida pra funcionar, entende tudo e solta grito pavoroso, pedindo socorro.!!!!

Imediatamente os amigos e as amigas da festa, os colegas e mais pessoas apressam-se para saber o acontecido e ainda podem ver que o homem de sunga lilás, bonito, bonito, num horrendo pitiú que sai de seu corpo, dá um pulo e mergulha, para, logo em seguida, traindo a identidade até mesmo para seus mais que amigos que o julgavam rapaz da cidade, gente mais que normal, vir à tona. E, mostrando o focinho vermelho, sopra um jato d’água na direção de Chica, numa espécie de zombaria. Havia conquistado mais uma...

A praia foi ficando lotada de gente que ouvia as narrativas com espanto e credulidade mesmo. Dizem que não existe, que não é verdade e isso vive acontecendo, todo veraneio essa coisa acontece, de modo diferente, mas acontece, existe, quem não quiser que deixe de acreditar. E os falatórios se sucediam..."

Disponível em: . Acesso em: 02 set. 2015. 

quarta-feira, 26 de agosto de 2015

Poetissignus

                                                      "sob a pele das palavras há cifras e códigos" (Drummond)

            Não há luz:
                                o corpo inerte
                                está na rede
            e a mente levita
            sobre ele
                    bruxuleante,
                    vaporosa
                    como um fogo-fátuo.

Esse é o momento em que gapuio
nas poças do rio seco
as melífluas palavras,
as cintilantes sílabas,
abertos oclusivos
sonoros molhados fonemas,
que se encarnam
                          em signos quase plausíveis.

               Ao sonoro luar
               tarrafeio camarões lexicais.
               Não são graúdos,
               contudo eu os maturo nos viveiros
               à flor paradigmática
               das chuvosas tardes,
               nas encrespadas águas
               barrentas... baças
               como meus olhos já tão lassos.

É nas ociosas horas noturnas
que jogo meu anzol
nas frias águas.
Mas não possso selecionar
os peixes-signos,
                                                  pois estes
               é que se fisgam
               e fisgam-me o pensar,












que se funde à lama, às águas,
às aningas, siriúbas, sararás,
caramujos, bacuís, amurés...
surucuás, gaviões-pega-macaco...

                                           Nuvens passeiam,
                                                                        o sol dorme,
a lua acorda,
                      a viola chora...
                 o murucututu agoura...

Debulhar o açaí morfológico
                                               ou amassar a abacaba semântica
indubitavelmente não é    p a r a       m i m
                                            tarefa das mais gloriosas,


pois enraizam-se em mim
centenas de raízes de mangueiros,
entrecruzando-se como ideias
herméticas.

A canoa que chacoalha
na leve maresia é a mesma
que joga, embala-me sob
verde teto fosforescente
de folhas e frutos
sintagmáticos.

                                  O corpo inerte
                                  desperta.
                                  E a mente?
                                  Apenas reflete:

"Quão laboriosa tarefa é
                   a
           (APENAS)
tentativa de poetar".

segunda-feira, 24 de agosto de 2015

Uma curiosidade sobre o nome Mosqueiro, em alguns lugares em Portugal

         Para quem tem fixação pela etimologia, e a primeira ideia que se passa pela cabeça da pessoa quando ouve uma palavra que nomeia um lugar (diz-se tecnicamente que é um topônimo), é descobrir seu sentido mais remoto, pode se sentir motivado a ler o que segue abaixo:

Para quem desconhece, a palavra ‘mosqueiro’ também pode ter o sentido de olmo, ulmo, ulmeiro, mosquedo ou negrilho (todos nomes da mesma espécie de vegetal).

                                                                     Disponível, esta imagem, em: http://dias-com-arvores.blogspot.com.br/2009/07/negrilho-sem-saida.html. Acesso em: 24 ago. 2015.
          Em Portugal, também dá nome a vários lugares. É, existem, no mínimo, em torno de 40 lugares ou localidades por lá.
Vejamos o verbete em dicionário online:

mos·quei·ro 

substantivo masculino
1. Lugar onde  muitas moscas.
2. Utensílio para apanhar ou afugentar moscas.
3. .Artefato ou cobertura de arame para preservar a comida do .contato das moscas.
4. Ninho de moscas.
5. Mosquedo.
6. Negrilho (árvore).
7. [Gíria]  Casa.
8. [Brasil]  Hospedaria ordinária. = FREGE
adjetivo
9. Que se inquieta e foge (quando perseguido pelas moscas).


sair a alguém o gado mosqueiro
 Suceder a alguém o contrário do que esperava.

"mosqueiro", in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008-2013, http://www.priberam.pt/DLPO/mosqueiro [consultado em 25-08-2015].



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O escritor Leonel Neves (1921-1996) escreveu um livro intitulado O cão, o gato e a árvore (1987), de onde se extraiu o poema abaixo.

A Madrinha

Se em Mosqueiro há casas toscas,
a vida é limpa e decente.
Mosqueiro é terra de gente,
nunca foi terra de moscas.

Tem um orgulho profundo
no seu nome: assim se chama
o seu ulmeiro de fama,
que é o maior deste mundo.

Viste, ó árvore velhinha,
nascer este povo inteiro
e a todo o povo pertences.

Tu és a nossa Madrinha,
pois deste o nome a Mosqueiro
e a todos os mosqueirenses.

Trecho de “A árvore”, do livro O cão, o gato e a árvore, de Leonel Neves (1921-1996), 2ª edição. Lisboa: Asa, 1987.


Transcript of "A Arvore - Leonel Neves"
1. In O CÃO, O GATO E A ÁRVORE de Leonel Neves (Manuela D. L. Ramos Outubro 2010)
2. Mesmo no centro da vila e no meio do jardim, perto do rio estreito e de uma pontezinha, há um ulmeiro. É uma árvore tão alta que pode ser vista de qualquer ponto da vila, cujas casas mais altas não chegam a ter metade daquela altura; uma árvore tão grossa e de copa tão larga que a sua sombra cobre quase todo o jardim, um grande quadrado de terra com uma moldura de canteiros de flores e de bancos verdes; e tão velha que o mais velhinho dos velhos da vila conta que já falava dela o seu avô e que este lhe tinha dito que já também dela falava o avô dele, e acrescenta: Fotografia do célebre ulmeiro de S. Martinho de Anta, imortalizado por Miguel Torga no poema “A um negrilho”. Imagem reproduzida do livro de Ernesto Goes, Árvores monumentais de Portugal (Portucel, 1984)
3. — Viu-nos nascer a todos. É tão velha como o mundo e parece sempre nova. Ora vejam: eu tive o cabelo preto, mais tarde da cor das cinzas, depois branco e hoje nenhum. Mas ela tem sempre aquela linda cabeleira verde... E toda a gente da vila de Mosqueiro sentia muita satisfação em a sua terra pequenina possuir uma árvore tão grande. Imagem: Ulmeiro em Almeida (distrito da Guarda) antes de ser escandalosamente mutilado. Fotografia de Pedro Nuno Teixeira Santos in Árvores de Portugal
4. Ora um dia tal satisfação transformou-se em orguIho. Foi quando lá apareceu, de propósito para ver aquele ulmeiro, o sábio Doutor Pafúncio, então a fazer uma cura de águas nas Termas, uma aldeia pendurada na encosta da serra próxima da vila. O Dr. Pafúncio da Silva era professor de Zoologia (o estudo dos animais), de Botânica (o estudo das plantas) e Mineralogia (o estudo do que não é animal nem planta, como as pedras e as rochas). Imagem: flores,folhas e frutos do ulmeiro in Flora von Deutschland Österreich und der Schweiz (1885)
5. Esteve mais de dez minutos a andar à roda da árvore, a olhar para ela, muito calado, e por fim disse: — É um belo ulmeiro, talvez o maior ulmeiro português. Devia ser considerado monumento nacional. E deu o nome à tua vila, como sabes. O senhor Presidente da Câmara, que tinha sido colega do sábio na Universidade de Coimbra e o levara junto da árvore, ficou de boca aberta e gaguejou: — O... o quê!? — Ulmeiro... Mosqueiro — disse o doutor Pafúncio. Estás a perceber — Não — respondeu o senhor Presidente. Ora explica lá isso. Imagem: detalhe de uma alameda de 11 ulmeiros, na Guarda, classificados de interesse público em 2008. Fotografia de Pedro Nuno Teixeira Santos in Árvores de Portugal
6. — Ulmeiro ou ulmo é o mesmo que olmo ou olmeiro. Mas também pode ter outros nomes: negrilho, lamegueiro ou... mosqueiro. Se não acreditas, vai ver a um bom dicionário. Com certeza esta árvore, há algumas centenas de anos, é que deu o nome a esta vila. Donde julgavas tu que vinha o nome da tua terra? — Eu... eu... E achas que isto é um monumento nacional? — perguntou o senhor Presidente. — Devia ser — respondeu o sábio. — Mas, pelo menos, é de interesse público, o que quer dizer que, sendo como é uma árvore tão antiga, tão alta e tão bonita, ninguém lhe pode fazer mal, ninguém a pode cortar. É da lei! Encontras tudo isso num decreto* publicado há muitos anos no “Diário do Governo” (hoje Diário da República). As plantas, os animais e os minerais para além do seu nome comum, vulgar ou vernacular (da língua própria de um país) também têm um nome científico, em latim ,que se escreve em itálico. O ulmeiro mais comum em Portugal é o Ulmus minor. (carregar para aceder à ficha desta espécie no ARBORIUM, Atlas das árvores de Leiria (on line) •Trata-se do Decreto-Lei nº 28468 de 15 de Fevereiro de 1938 ver aqui. • Esta lei está em processo de revisão. >
7. O senhor Presidente da Câmara ia quase desmaiando de alegria. E, passada uma hora, todas as pessoas da vila sabiam daquela conversa com o doutor Pafúncio, toda a gente estava muito contente; e a satisfação de haver na sua vila pequenina uma árvore tão grande, um ser tão importante, transformou-se em orgulho. E até havia razão para esse contentamento e para esse orgulho, porque para os mosqueirenses era como se lhes tivessem tirado de cima um grande peso: a troça que deles costumavam fazer as outras pessoas quando, longe da vila, eles diziam que eram de Mosqueiro. Mais ou menos isto: — Ah! você é de Mosqueiro? Terra feia e suja, sítio de moscas, não é? — Nada disso. É até uma vila muito branca e muito limpa. — Pois sim, está-se mesmo a ver: Mosqueiro... E, afinal, Mosqueiro era o nome do ulmeiro do jardim!
8. Os mosqueirenses ficaram por isso muito contentes, orgulhosos e comovidos. Assim aconteceu com Zé Pataco, vendedor de jornais, poeta popular e repentista, tão comovido que não conseguiu, nem quis dizer de repente uma quadra, como costumava fazer a propósito de qualquer pessoa ou de qualquer caso engraçado. Dessa vez, Zé Pataco resolveu pensar muito bem... e escreveu uma poesia, até com título, que foi publicada na primeira página do jornal da vila, por baixo de uma fotografia do ulmeiro tirada por Quim Santos e ao lado das declarações do sábio doutor Pafúncio sobre a árvore. Era assim:
9.                           A Madrinha

 Se em Mosqueiro há casas toscas,
a vila é limpa e decente.
Mosqueiro é terra de gente,
nunca foi terra de moscas.

Tem um orgulho profundo
no seu nome: assim se chama
o seu ulmeiro de fama,
que é o maior deste mundo.

Viste, ó árvore velhinha,
nascer este povo inteiro
e a todo o povo pertences.

Tu és a nossa Madrinha,
pois deste o nome a Mosqueiro
e a todos os mosqueirenses.

10. O Sr. Presidente da Câmara enviou logo às autoridades competentes do Governo, em Lisboa, com esse número do jornal “A Voz de Mosqueiro”, uma carta a pedir que o enorme ulmeiro fosse considerado monumento nacional. E, passado algum tempo, recebeu de Lisboa a resposta, com um exemplar do “Diário da República” que dizia respeito ao caso... e um letreiro com vidro e moldura, uma placa que devia ser colocada na árvore e em que, a seguir ao seu nome em latim e antes do número do decreto que nela falava, estava escrito: Árvores de Interesse Público – Monumentos Vivos «O que são árvores de interesse público? São árvores que pelo seu porte, desenho, idade e raridade se distinguem dos outros exemplares.Também os motivos históricos ou culturais são factores a ter em conta.» aqui Av. João Crisóstomo, 28 1069-040 LISBOA Tel.: 213 124 800 E-mail: info@afn.min- agricultura.pt Ulmus minor ULMEIRO (Mosqueiro) Considerado de interesse público. Decreto-Lei nº 28468 de 15 de Fevereiro de 1938 Imediatamente foi combinado fazer-se uma grande festa para a colocação da placa. E assim se fez... e foi uma festa muito bonita. (…)
11.  “A árvore” in O cão,o gato e a árvore de Leonel NEVES. 2ª ed. Lisboa: Asa, 1987 Nota: este livro encontra-se esgotado Alguns links de Interesse Árvores de Interesse Público - Monumentos Vivos (Autoridade Florestal Nacional) Base de Dados das Árvores Classificadas de Interesse Público (id.) Árvores classificadas ( Dias com Árvores) Árvores classificadas ( Sombra Verde) Classificação de Árvores de Interesse Público ( Árvores de Portugal) Registo Nacional de Árvores Notáveis ( Árvores de Portugal) Manuela D.L.Ramos Outubro 2010
Disponível em: http://pt.slideshare.net/manueladlramos/a-arvore-leonel-neves. Acesso em: 24 ago. 2015.

Poema sobre revolução

Razão de família

Há um rico tio que nos vende feijào podre
e aceitamos,
trinca nos juros de um dinheiro podre
e aceitamos,
força em direitp uma doutrina podre
e aceitamos,
conta por santo um parentesco podre
e aceiamos,
e mais e mais aceitamos porque o tio é suscetível
e à toa, à toa, põe suas mil bocas no mumdo
-- televisões, rádios, jornais, revistar --
e há de dizer que somos uns ingratos
separatistas e... istas e... istas e... istas.

(CAMPOS, Geir et alii. "Violão de rua". RJ: Civilização Brasileira, 1962, p. 39, volume extra)


sexta-feira, 21 de agosto de 2015

A conversão de Saulo

A conversão de Saulo
(Atos 9:1-30)


Saulo vai para Damasco (9:1-9)
- Saulo pediu cartas do sumo sacerdote às sinagogas de Damasco autorizando perseguição contra os cristãos de lá (9:1-2)
- No caminho de Jerusalém para Damasco, ele encontrou Jesus (9:3-6)
- Quando Saulo viu uma luz brilhante no céu, ele caiu por terra
- Uma voz perguntou: "Saulo, Saulo, por que me persegues?"
- Saulo respondeu: "Quem és Tu, Senhor?"
- A voz lhe replicou: "Eu sou Jesus, a quem tu persegues; mas levanta-te e entra na cidade, onde te dirão o que te convém fazer"
- Os companheiros de Saulo ouviram a voz, mas não viram ninguém (9:7)
- Saulo ficou cego, e foi levado para Damasco onde ele ficou três dias sem comer e sem beber (9:8-9)
Disponível em: http://www.estudosdabiblia.net/b03_10.htm. Acesso em 19 out. 2014.

Por causa dessa estória, desse episódio bíblico, lembramos de um outro, registrado em documento achado em uma garrafa de cachaça fechada com uma rolha, encontrada na Praia Grande, há poucos carnavais atrás, contendo um pergaminho raro e antigo, de onde compilamos o texto anônimo abaixo:

Saulo, Saulo!...

Quisera ter eu a inteligência e a sabedoria de Nietzsche, capaz de dizer, e dizer de fato muito, por intermédio de uma linguagem alegórica e por meio de aforismos de invejável acuidade. Como não as tenho, suponho que possa ao menos tentar enveredar por trilhas paralelas e similares. Tentarei, pois...

− Saulo, Saulo!... Por que me perseguis, Saulo?!...  Por que tanto me apedrejais, Saulo?!...
Para vós, é como saborear manjares finos e deliciosos o ato de arremessar pedregulhos em mim, Saulo?
Pois vos digo, Saulo, é fácil apedrejar os telhados de vidro do vosso próximo, Saulo. E sabemos como fazeis bem feito isso, Saulo, e como te apeteceis em fazê-lo, não é mesmo?
Em verdade, em verdade, vos digo, Saulo, os pedregulhos só são ditosos quando o telhado de vidro não é o vosso, Saulo, pois em sendo assim, os pedregulhos não se mostram nada suaves, mas sim doridos, Saulo, e as cicatrizes, os estigmas, Saulo, acompanham a jornada, até a sepultura, daqueles apedrejados...
Ora, quando os pedregulhos são arremessados por vós, Saulo, cada dor dos outros causa em vós, não lamentos, mas gargalhadas, Saulo. Ruim é quando gargalham de vós, quando os estigmas são vossos, Saulo. E bem vos digo: Cada caco do telhado é como uma lágrima vertida por copiosa chuva de dores, Saulo. E não  vos compadeceis nada com isso, bem o sei, Saulo.
Por força de vossa arrogância (sabeis disso muito bem, não é, Saulo?), só podeis ver fragilidade nos telhados dos vossos opositores; entretanto, as fragilidades maiores podem estar a um palmo de distância de vossa cabeça, Saulo, como uma periclitante espada de Dâmocles, a cair iminentemente sobre vosso crânio, a não ser que, cravados no solo de vossa cabeça haja um par de dispositivos que a protejam, Sr. De tarso.
− Saulo, Saulo!... Por que me perseguis, Saulo?!...  Por que tanto me apedrejais, Saulo?!...
Saulo, bem-aventurados os calados, pois não se arriscam a proferir asneiras, Saulo. Quem muito fala, pouco ou quase nada diz, de fato. “Falam demais por não terem nada a dizer”, como meu discípulo Renato Russo já o afirmou peremptoriamente.
E aqueles a quem muito atormentais, Saulo, têm parentes, têm pais, filhos e filhas, vizinhos e amigos, com quem podem contar. E vós, Saulo, podeis contar com essa espécie de rede, Saulo? Em tempos de fartura, é preciso saber o que fazer com as benesses, para poder ter com o que e com quem contar durante as épocas desabençoadas, Saulo.
Quereis muito aparentar que sabeis veementemente separar o joio do trigo, Saulo. Contudo, vós tendes a certeza de que vós não seríeis considerados por outrem como o joio mais resistente, mais parasítico e inútil? É, Saulo, são sempre as más companhias que nos levam à sarjeta, Sr. Apóstolo, ou será que as más companhias não seríeis precisamente vossa pessoa? Ora, não podeis observar tal fato por causa de vosso egocentrismo, de vossa egolatria, de vosso egoísmo e de vossa ganância. Ou estarei errado eu?
Em verdade, em verdade, Saulo, de todas as más qualidades de que sois mui bien dotado, talvez a pior seja a inveja, Saulo. Pois saibais vós, Saulo, que a inveja matou o gato, como muito bem já o disse aquele velho deitado, não é? A inveja faz o boi ver o pasto do outro sempre mais verdejante, e, como não tem espelho, vê os chifres do outro sempre maiores do que os vossos. A inveja faz também a pessoa sempre ver, na garagem do irmão, um veículo mais sofisticado (que o banco pode tomar, inclusive, Saulo!).
− Saulo, Saulo!... Por que me perseguis, Saulo?!...  Por que tanto me apedrejais, Saulo?!...
Saulo, saibais que as opiniões alheias dizem que vós andais muito Bocudo, Saulo! Ah! Uma caba tatu nesse beiço asqueroso, Saulo! Lembrai-vos, Saulo, que outro velho deitado já revelou-nos a perfeita imagem de que o macaco, antes de falar mal do rabo de outro, deveria, primeiramente, observar os defeitos de seu próprio rabo. Fazeis isso, De Tarso? Ou andais esquecido disso?
Lembrai-vos, também, de vosso passado, Saulo. De que partido éreis, mesmo? PC do B? De que partido sois, agora? Do “Venha a Nós, e ao Vosso Reino Nada”? No passado distante, fostes Fariseu. Perseguistes-me e aos meus. Depois, como um camaleão, mudastes radicalmente para vossa oposição: os que antes perseguistes e matastes, agora deles sois aliado ferrenho, desde criancinha, não é mesmo, Saulo?
Ora, hoje criticais o que antes fazíeis, Saulo. Como era vosso apelido, De Tarso? Não era “Saulo Cachaça”? Quanto de dinheiro de dízimo não usastes para comprar uma Tatuzinho, um  Velho Barreiro, uma Oncinha, uma Cachaça Belém? Hoje falais mal de quem bebe. Esquecestes vós até de vossos amigos que dividiram o cárcere convosco?

Não esqueçais vós que há outro velho deitado que reza o seguinte: “O trabalho dignifica o homem.” Pois é, Saulo. Primeiro, trabalhar, trabalhar, de fato, não é atividade que vos apeteceis, não é mesmo? Desde que o mundo é mundo já se sabe que vós não sois chegado às atividades trabalhísticas que engrandecem a mensagem perene de que o ser humano deve merecer o pão de cada dia porque suou a camisa. Para vós, emprego. Para os pobres coitados, trabalho. Para vós, dinheiro no bolso, não trabalho, dignifica o homem.
Em segundo lugar, Saulo, muitos consideram que, para se referirem à vossa pessoa, a palavra ‘homem’ e a locução ‘ser humano’ não são termos apropriados. Os termos adequados seriam os correspondentes às seguintes acepções dicionarísticas: “Invertebrado de corpo mole, semelhante à lombriga; minhoca; gusano; helminte; larva”; ou “animálculo intestinal”; ou, por fim: “aquilo que mina ou corrói lentamente”.

− Saulo, Saulo!... Por que me perseguis, Saulo?!...  Por que tanto me apedrejais, Saulo?!...

Em verdade, em verdade, quem sois vós, agora, Saulo? Quem éreis e quem sereis daqui a um futuro próximo, Saulo? Tereis, ainda, o teu digno emprego, Saulo? Ou estareis trabalhando, finalmente, Saulo?

− Saulo, Saulo!... Em quem ou em que vos convertestes?

quarta-feira, 19 de agosto de 2015

Dezembro a abril...


Quase tudo em redor
resume-se
a branco e cinza.

Aqui e ali
uma vela
(que o vento
pouco leva)...

O mar cor de prata
e pouco encrespado
parece refletir-se
ao olhar-se
no espelho do céu...

As gotículas
friazinhas
aos milhares
quase enregelam
e embranquecem
toda a atmosfera
,
até entre nós
                      ,
apenas aquecidos
por aquelas
doses de branquinha,
de mão em mão.

Assim era a Praia Grande
         --para nós--
de fim de dezembro a abril...
...e ainda o é,
               
nestes versos
               respingados de memória
traspassando-me como
sílabas úmidas...

A brisa
um pouquinho mais ligeira
perpassa
o próprio pensamento.
E o tira-gosto
é a bruma um tanto
translúcida,
quase transparência
no todo embaçado
                            deste panorama...