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domingo, 21 de março de 2010

Um certo Mário... em uma certa praia

Aqui, nesta calçada,
defronte deste caramanchão,
próximo ao chalé Porto Franco ― desde a Belle Époque
mirando a Baía de Marajó ―,
sem chapéu na cabeça,
na mão, ou virado no chão,
contemplo um tempo
que não vi(vi):
vejo ali na areia
e após na água da praia,
(a banhar-se),
a alegria descontraída
de Mário de Andrade
― é maio de 1927 ―,
entregue às ondas
destas águas do Chapéu-Virado,
neste tempo que não
vi(vi),
mas que perco-ri
na transcendência das entrelinhas imaginárias
deste poema
que agora escrevi(vi).


(Muita gente desconhece o fato de que Mário de Andrade, quando esteve pesquisando aqui na Amazônia as fontes que o levariam à elaboração de seu notável romance Macunaíma, o herói sem nenhum caráter, também esteve em Mosqueiro, onde tomou banho de praia, no Chapéu-Virado, em maio de 1927.)Segue, abaixo, uma foto de Mário, no Chapéu-Virado, "capturada" do Blog do Haroldo Baleixo:

Chapéu-Virado, 21 de janeiro de 1836

Piso este solo sagrado,
onde sou apenas remanescente
dos que tombaram, heróis sidos,
mortos que caminham hoje
nas sendas da memória
de quem os reverencia.

É dia 21 de janeiro de 1836:
balas chispando o espaço
do que seria o futuro Chapéu-Virado,
alvejando as tropas em conflito
e chacoalhando meus neurônios,
excitando-os em sinapses imaginárias...

... e legalistas tombando,
cabanos tombando
e se levantando agora,
no momento em que reescrevo
suas trágicas histórias,
libertando-as do apagamento
a que o ostracismo condenou.

Os canhões trovoam, mesclados
ao som do arrebentar dos vagalhões
ali na beira da praia...

Uma praça, uma igreja, um caramanchão...
Um prédio de um antigo hotel...
O edifício Lílian Lúcia...
O chalé Porto Franco...
A orla, as farmácias, as barracas...
Banhistas, passantes, carros,
motos e bicicletas habitam este solo
em fronteira com a praia do Farol.
Os heróis tombam no combate,
clamam, num ganido candente:

― Quem se lembra de nós, que lutamos desigualmente
por um punhado de menos desigualdades?!...

Um grito inaudível ecoa em minha mente...



(Pouquíssimas pessoas tem conhecimento desse evento histórico de tão alta relevância, relatado em primeiro lugar no livro "Motins políticos", de Domingos Antônio Raiol, no terceiro volume, publicado pela UFPA, 1970, p. 894)

quinta-feira, 4 de março de 2010

Sesquicentenário: presente de grego

Caro amigo

Talvez você ainda se lembre destas palavras: “Foi o curumim / Para adormecê / Na samaúma/Mãe da floresta/ Plumas ao vento...”
Você lembra? Claro que sim. Você não esqueceria da canção de Nilson e Vital, esquece-ria? Amocario, é este o nome, não? Versos singelos e bonitos. Concordo com os autores, pois a samaúma é, sem dúvida nenhuma, a mãe da floresta. E que espetáculo é ver suas plumas ao vento.
Você pode estar pensando: “Mas que papo despropositado para uma carta entre amigos que já não conversam há tanto tempo!...” Porém, peço-lhe que continue lendo e entenderá meu intento. Amigo velho, você então recorda da nossa amiga-mãe, a velha samaumeira da Av. 16 de Novembro? Aquela de aproximadamente 150 anos... Aliás, velha apenas no sentido huma-nizado, porque no sentido, como diria... arbóreo da palavra, só e´ velha no sentido carinhoso, já que para uma samaumeira um sesquicentenário talvez corresponda a somente 15 primaveras. É isso: 15 primaveras!
Exuberante. Pomposa árvore. Árvore guia dos pescadores que a avistam da baía deste longe e podem por ela se orientar. Longeva, poética. Humana árvore.
Mas algumas pessoas são demasiado hu-ma-nas para perdoar que uma árvore, para elas velha, viva tanto, já que viver tanto é imperdoável num país como o nosso. Aqui as pessoas normalmente vivem pouco, muito pouco. Morremos de velhice aos cinqüenta, acusados de vagabundagem pelo presidente República, se já formos aposentados. Isso se não morrermos de fome, ou assassinados, quando crianças ou jovens. E se não morremos de raiva (da seleção, do governo, dos vizinhos chatos...) aos quarenta. Faço todo este circunlóquio para lhe revelar, em doses miúdas, a má notícia. Eu sei que você é nervoso por natureza, que se desesperou assis-tindo de camarote a seleção perder a copa. Sei que sofre ao ver o Fluminense na 2ª divisão. E sei também que assim já estou lhe deixando tenso. Por isso, prepare-se. Lá vai: estão cortando a velha samaumeira. Pronto. Consegui dizer... É verdade, velho amigo, estão primeiro amputando seus galhos, aos poucos, para então mais tarde deceparem-na no tronco, por completo.
Imagino que você pense que há a lei para impedir tal criminoso ato, que o Ibama pode agir (multar, prender, sei lá...). Mas eu esclareço, mano: é a própria lei, no momento, que obriga darem cabo da nossa amiga tão estimada. Parece inacreditável, mas é verdade: é ato legal este assassínio, este extermínio de um ser legendário e desde muito patrimônio de nossa ilha. E, se você se sente revoltado aí, distante que está, tente imaginar como me sinto, aqui perto, vendo a destruição de uma vida que nos é tão cara!
Você deve ter na cabeça um rebanho desembestado de dúvidas. Acontece que esse pre-sente de aniversário dado à samaumeira , um presente de grego para seus 150 anos (primeiro, único e último presente), é por causa do perigo iminente que ela (alegam) propicia à vida das pessoas que moram ali, sob sua cabeleira pujante e sombreira. E, para complicar mais, vândalos, segundo pessoas dali, recentemente atearam fogo no tronco da árvore, e enormes línguas vermelhas e ardentes logo-logo devoraram parte de seu caule. (O fogo trabalhou ─ pasme! ─ durante toda uma noite.) Foi um crime ecológico. O irônico, meu amigo, é que tudo começou num monturo de lixo que foi entulhado no tronco. Por quem? Pelos vândalos? Até poderíamos rotular de vândalos esses sádicos, o que ainda seria acusação pouca; todavia, o difícil é crer que, em vez depredar orelhões, pichar muros e casas, apedrejar telhados e cachorros, tenham os delinqüentes escolhido logo a samaumeira para seu sinistro entretenimento. Não posso crer nisso. Pergunto-lhe, amigo, de quanto tempo precisariam esses tais vândalos para acumular tanto lixo no tronco da planta, que aliás é imenso? Parece-me que os tais vândalos são, para falar literariamente, uma supra-realidade, personagens inventados para encobrir os reais perpe-tradores do gravíssimo delito. Ora, não é preciso ser Sherlock Holmes para saber a quem inte-ressa o aniquilamento da mosqueirense sesquicentenária. Desde muito tempo houve quem a-chasse por bem cortar-lhe alguns “galhinhos”, pois seu sombreiro ameno lhe incomodava.
Dia 20 de setembro, junto com dois amigos, fui vê-la de perto, um dia depois do dia da árvore. Batemos algumas fotos. E observamos alguns detalhes curiosos: o buraco no caule, que (segundo alegam) foi aberto pelo “fogo dos vândalos”, não o foi na verdade, pois já estava lá há muito tempo. É uma velha cicatriz, só reaberta pelo fogo. Mas já estava lá havia muito tem-po. Disseram, por outro lado, que mesmo sem a ação destrutiva do fogo, qualquer vendaval já poderia derrubá-la sobre as residências dali. Mentira! Suas sapopemas (raízes aéreas) estão firmes ─ mesmo depois das chamas ─ e se estendem pelo terreno, ampliando-se como uma teia gigante a entranhar-se pelo solo, dando-lhe incrível vigor. Não cai, tenho certeza. É tão firme quanto suas irmãs lá de Nazaré e da Praça Batista Campos.
Um engenheiro agrônomo, que reside ali por perto, opinando sobre o caso, acusou de incompetentes os que assinaram o laudo, visto que não levaram em consideração que na sama-úma não há folhas necrosadas, que o cerne do caule do vegetal pode não ter sido atingido, que as sapopemas a sustentam firmemente. Em síntese: a árvore não está morta. Estão matando-a!
Por isso, continuo a desconfiar de que há forças nada ocultas por trás da derrubada desta gigante-mãe da floresta. Ela, resoluta e corajosa, desafia o tempo e forja uma história de vida de um século e meio. Nasceu, pois, no Império, pouco depois da derrocada dos heróicos cabanos. Foi contemporânea da guerra do Paraguai, da Libertação dos escravos, da Proclama-ção da Republica. Presenciou cautelosa o apogeu e declínio da riqueza dos seringais. Sobrevi-veu às duas grandes guerras, ao estado novo de Getúlio, ao maldito Golpe de 64, à conquista da Lua. Viu o Brasil ganhar 4 copas do mundo. Principalmente, viu Mosqueiro tornar-se vila e festejar seu centenário. A mãe da floresta é, há três cinqüentenários, testemunha de todos esses fatos, e muitos outros mais.
No ano de 97 tivemos aproximadamente 52 semanas. Multiplicando isso por 150, teríamos em torno de 7 821 semanas. É muita vida! No entanto, aquelas que se dizem técnicos, em uma semana, uma só semana, decidiram que ela já não pode viver mais. Ela incomoda al-guns, por isso deve ser extinta. Os idiotas ignoram que não é ela sozinha que morre: morre um pouco de cada mosqueirense, que tomba e desaba também. Os idiotas ignoram que uma sa-maumeira contém em si um miniecossistema, pois abriga maternalmente (há 15 décadas) gera-ções de vegetais e animais (alguns vivem ali por toda vida): orquídeas, bromélias, samambaias, trepadeiras de toda espécie, calangos, pássaros, besouros borboletas... como disse, um minie-cossistema.
Meu caro amigo, é uma barbaridade! É revoltante e doloroso pensar que, para os que querem morta a planta, o que vale é a lei dos “incomodados que se mudem”. Será que a Prefei-tura de Belém e a Agência Distrital, antes de tomarem a decisão (sem novamente consultarem o povo da ilha!), procuraram verificar o imposto (IPTU) dos que ali, de vez em quando, passam seus fins-de-semana? Será que estão em dia com suas obrigações? E mais: sabe-se que os crimes ecológicos aqui em Mosqueiro sempre tiveram e ainda têm muito a ver com a omissão das autoridades. No caso da samaumeira, por que deixaram que construíssem casas à sua proximi-dade? Os terrenos foram re-al-men-te aforados antes de serem loteados? Foi isso? E a fiscali-zação? O que impede a Prefeitura de desapropriar a área, redimindo-se assim de seu erro.
Certamente, desde muito, um parque (uma praça com brinquedos e tendo como ele-mento físico predominantemente o verde, as árvores) cairia muito bem como o lugar. O povo agradeceria, principalmente a criançada e, é claro, a samaumeira ─ que ficaria, para a felicidade geral dos ilhéus, preservadíssima, verde, majestosa, imponente.
Entretanto, meu amigo, isto que digo são só palavras, só desabafos. A ignorância, a prepotência e a mesquinhez ─ que sempre se irmanam no controle do poder ─ ganham nova-mente a queda-de-braço, infligindo à coerência e à solidariedade uma inconformada e revoltan-te derrota.
Eu sei o que você me diria, amigo. E o que faria se estivesse por aqui. Contudo, peço que tenha indulgência por minha covardia e falta de iniciativa, pois me sinto desarmado.
E sinto-me infinitamente triste, sabendo que o curumim não vai mais adormecer na samaúma...
Adeus, árvore-amiga!
Até breve, amigo. Escreva.



(Escrevi esse texto como forma, embora ínfima, de demonstrar revolta pelo assassínio da mais antiga árvore de Mosqueiro, que ficava às proximidades da Avenida 16 de Novembro, com a conivência da Funverde (hoje SEMMA), Corpo de Bombeiros e agente distrital Paulo Uchôa, que não impediram que interesses imobiliários se sobrepusessem a valores ecológicos e humanos. É... é sempre assim... essa velha história...)

terça-feira, 2 de março de 2010

Maraú

As línguas dos marinhos
dragões vibram, e tão líquidas,
bailam, suavemente psicografando,
nas areias da selvagem praia do Maraú,
divulgando mensagens, vozes codificadas
de místicas ancestrais línguas indígenas, doces.

Max Martins, como um Anchieta
moderno, versifica sua imaginação
no bege macio das areias, sob um céu
às vezes nem tão inspirador, a não ser
para quem de chuva seja amante inconteste.

As escuras pedras vigiam seu passeio,
escrevilendo (com ele) o inscrito poema do vagamundo
que na praia encontra um Paraíso muito próximo dali.
As Guaribas da Ilha ora silenciam, ora em grupo guincham,
quando de longe veem o poeta se perder nos longes das distâncias,
sumindo desaparecendo dos olhos dos símios vigilantes e frustrados, tristes,
sem entender seus caminhos, novos caminhos
traçados por um trilho dele próprio,
inaceitáveis para os velhos tempos?
Ou tão respeitáveis, apenas
uma novidade
inapreciada,
até então?

Os marinhos dragões rugem,
Maaaax, Maaaaaaaaaaaaxxxxxxx,
Ma... Ma... Maaaaxxx... ― uivos líquidos
lavam a areia e ecoam um canto/pranto
nas melancólicas tardes da solitária
enseada da praia de Mayarahú, esta
‘luz do sol ao amanhecer’, segundo os tupinambás.
Ele não volta, está em seu porto,
Porto Max, cabana de devaneios.

As pedras escuras da praia lamentam
a ausência de seu cantor, por isso
se submetem às surras das línguas
do mar: Maaaaaxx... Maaaaaxxxxxxx...

Ele já se foi... Mas estará presente, sempre
estampado na paisagem seu nome, sempre
a lembrá-lo, nas vozes a ecoar: ― Maaaaaxxxx....
Maaaaaxxxx, Maaaaaxxxx, Maaaaaaaaaaaa...


(Poema de minha autoria dedicado ao Grande Max Martins, que escreviveu parte de sua vida ali na praia do Maraú,que ele grafava Marahú, em sua cabana Porto Max. Inclusive, tanto amou aquela poética enseada que a tornou tema de seu poetar.)Segue abaixo uma foto de Max, em sua cabana, no Maraú: