Por Alcir Rodrigues
Minha cidade é um
rio de asfalto monstruoso,
para onde afluem vários
igarapés, na correnteza
levando-trazendo gente,
gente a pé, de bicicleta, moto, carro,
como num gigante pêndulo urbano:
o vaivém de almas e de vozes,
e de anseios longe de serem realizados...
Mas e eu, nesta cidade, sem canoa
para pilotar, sem enchente
e vazante para marcar
meu tempo, meu o-que-fazer,
por que saio como um boto,
nadando/andando sem destino
pelos rios-asfalto-piçarra, buraqueira,
escrevilendo minha vida
nos passos (mal) dados
à sombra dos espigões
dos edifícios, muros gigantes,
torres-cercas, fraseando
uma história sem
início e fim, apenas
meio, um rascunho,
um borrão, uns garranchos...
uns tropeços?...
Sou ilha, rodeado de asfalto,
cercado por edifícios,
vigiado por faróis de veículos,
impregnado pela fumaça
dos seus escapamentos,
atacado por assaltantes
e constrangido pela multidão...
A cidade, em mim, é lugar
onde nada fiz além
de perambular aos tropeços,
caminhada sem rumo,
como a leitura em que
constantemente se voltam
páginas não entendidas,
porque mal lidas, mal
escritas, mal vividas...
Poderia passar uma borracha
permanentemente nesse
capítulo mal escrevivido
de minha vida?
Isolar esse momento,
como isolado andei por lá?