Há muitas gotas de sangue nas páginas de dois dos melhores livros brasileiros do ano. Os crimes são de autoria de Edyr Augusto e Marcos Peres, escritores fora dos grandes centros do país, ainda pouco conhecidos, mas com munição de sobra para conquistar os leitores.
Edyr, 61, nasceu e vive em Belém (PA). Peres, 30, nunca se ausentou por muito tempo de sua Maringá (PR) natal.
Três décadas e quase 3.000 quilômetros separam os dois. O gosto por empilhar cadáveres em suas histórias os une.
Edyr lança "Pssica" (Boitempo). Peres, "Que Fim Levou Juliana Klein?" (Record). Romances policiais de linhagens diferentes –o primeiro, o mundo cão de Rubem Fonseca; o segundo, o noir filosófico de Jorge Luis Borges e Umberto Eco–, mas narrados com evidente talento.
| Danilo Verpa/Folhapress | |
|
O escritor paraense Edyr Augusto lança o romance 'Pssica' |
"Pssica" é um livro fininho, de 96 páginas. Pode ser lido em uma sentada. Mas é preciso um fôlego longo para atravessar algumas partes.
O título já dá um bom indício do que se pode esperar do livro –pssica, na gíria paraense, significa azar, maldição. A trama de ritmo frenético retrata rapto de mulheres, estupros, tráfico de drogas, prostituição infantil, corrupção e muitas outras mazelas.
Não há travessão para demarcar os diálogos, nem descrições de cenários ou da psicologia dos personagens. O livro engatilha uma ação na outra e dispara com urgência.
Por isso é um tanto curioso encontrar Edyr Augusto pela primeira vez. O escritor de cabelos grisalhos tem fala suave, nada afobada, e olhar sereno. Aparenta ser um homem tranquilo, bonachão, livre de qualquer forma de pssica.
Quando alguém comenta alguma passagem mais chocante de seu livro, como um assalto crudelíssimo em uma embarcação, ele parece ouvir com espanto, como se não tivesse criado tudo aquilo. "É doido, né?", diz, antes de soltar uma risadinha.
A ficha corrida de Edyr, porém, não engana. Antes de "Pssica" foram outros quatro romances: "Os Éguas" (1998), "Moscow" (2001), "Casa de Caba" (2004) e "Selva Concreta" (2014). Todos são thrillers urbanos mergulhados no caos, na miséria social e na violência sem limite.
"Apesar dos temas pesados, me divirto muito enquanto escrevo. É o momento em que sou a pessoa mais feliz do mundo", conta durante passagem por São Paulo, em livraria da zona oeste da cidade.
"Para mim é sempre uma surpresa. Eu não planejo a trama, não sei o que vai acontecer. Vou descobrindo ao longo do caminho. É quase uma aventura conjunta com os personagens", completa.
Edyr é filho e neto de uma família de jornalistas. Já trabalhou como radialista, redator publicitário, autor de jingles. Também foi professor de jornalismo, mas desistiu porque se achava mais empolgado do que os alunos.
Atribui a essas experiências o desenvolvimento de seu estilo ágil, de diálogos enxutos. "Eu não suporto ficar descrevendo as coisas. Vou direto aos fatos. Dou alguns indícios e o leitor vai completando com sua própria emoção."
Edyr é hoje dono de uma emissora de rádio e colunista do jornal "Diário do Pará".
Também escreve e dirige peças de teatro há 20 anos para o grupo Cuíra. Numa das montagens mais famosas, "Laquê", metade do elenco era formado por prostitutas que circulavam em torno da sede da companhia.
"Moro no centro da cidade. Sou cercado por craqueiros, engraxates, prostitutas, mendigos. Vou andando, falando e ouvindo essas pessoas todas. Tudo isso me inspira, me enriquece. Belém é meu cenário, é tudo o que eu tenho, é meu universo", conta.
Edyr vem expandindo seu universo para outros universos. Na França, colhe sucesso de público e crítico. "Os Éguas", lá traduzido como "Belém", ganhou o prêmio Caméléon, em Lyon, neste ano. Ele esteve há pouco em um festival francês de literatura policial e teve dias de ídolo pop, com entrevistas para rádios e TV. Situação bem diversa da que ocorre por aqui.
"No Brasil você entra numa livraria e nunca vê um livro de um autor paraense à mostra. Precisamos nos tornar visíveis para os leitores."