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sexta-feira, 8 de outubro de 2010

Você já ouviu falar de Mosqueiro como a terra do “Já-Teve”? Pois é, até cinema já teve

Pedro Veriano, crítico de cinema, escreveu o livro Cinema no tucupi (1999), cujo capítulo “Cinema em Icoaraci e Mosqueiro” trata do Cine Guajarino, o cinema que Mosqueiro perdeu:

Pedro Veriano 2 ScannedImage-2

Cinema em Icoaraci e Mosqueiro

As vilas balneárias do município de Belém, Icoaraci (antes chamada Pinheiro) e Mosqueiro, tiveram os seus cinemas. Icoaraci teve dois: Ipiranga e Guanabara. O primeiro durou mais tempo. Exibiu na sua melhor fase os filmes da empresa Severiano Ribeiro, antes Cinematográfica Paraense Ltda. No fim de carreira, os do empresário Carneiro Pinto, dono do Cinema Argus, no município de Castanhal, considerado o “cabeça de circuito interiorano” (Carneiro fornecia filmes para diversas cidades do Pará e até do Maranhão, como Imperatriz). O Cine Guanabara foi utilizado por outro empresário, Nélio Pinto. Exibiu filmes em 35mm e 16mm. Por pouco tempo.

No Mosqueiro existiu o Guajarino, na Praça da Matriz (Vila). Fundado em 1912, ainda na fase da chamada “cena muda”, sobreviveu até 1976, quando regrediu à bitola amadorista (16mm), exibindo faroeste italiano da firma que pertenceu a Hiran Bechara, dono do cinema do município de Marabá, depois a Manoel Teodoro de Miranda.

O Guajarino foi orientado por muitos anos pelo bancário Paulo Monteiro. Antes dele, pertenceu ao Sr. Bianor Carneiro, que o comprou do fundador, Pires Teixeira. Nos primeiros anos do cinema existia um trem, que o povo apelidava de “Pata Choca”, ligando o centro da ilha à Praia do Chapéu Virado. É interessante observar que a inauguração da linha férrea foi filmada por Ramon de Baños[1].

No dia 13 de dezembro de 1975, eu publiquei em A Província do Pará uma reportagem sobre o cinema de Mosqueiro. Disse, na ocasião, que havia público para uma sessão noturna diária e vesperais aos sábados e domingos durante muitos anos. Filmes como ...E o vento levou e Os dez mandamentos produziam enormes filas e tornavam-se motivo de comentários da população. “―Não tinha televisão, a noite era monótona”, dizia Monteiro. “―As coisas foram mudando com as antenas de TV nos telhados. Chegaram as novelas e ninguém perdia um capítulo para ver um filme...”

Mas o Guajarino não foi o único cinema da ilha que disputa com o município de Salinópolis a frequência dos que procuram balneários em Belém. Em 1955 e 1957 eu mesmo montei um cinema para filmes em 16mm num antigo mercado, no Chapéu Virado, que na época funcionava como escola pública (e voltaria a ser mercado nos anos 70). Como não havia energia elétrica suficiente, puxava um cabo do gerador do Hotel do Russo, próximo do local. As carteiras da escola funcionavam de poltronas. As piadas não falhavam: “―Eu depois de velho voltei à escola...”

A versão 55 foi a mais concorrida. Lembro de uma frequentadora assídua, a então Miss Pará, Gilda Medeiros. Ela se tornaria atriz do cinema nacional, fazendo filme com atores famosos como Alberto Ruschell (de O cangaceiro, versão 1953) e sob a direção de cineastas tarimbados como Fernando de Barros, um dos remanescentes da Cia. Cinematográfica Vera Cruz (SP). Um desses filmes, Riacho de sangue, ganhou distribuição nacional, e muitos anos mais tarde, longe de câmeras e roteiros, Gilda falou-me, com saudades, da produção.

Um episódio curioso que bem ilustra o que representou o cinema alternativo nas férias de julho, no Mosqueiro, aconteceu em 1957. Os filmes eram alugados em Belém de um representante da RKO Rádio, F. Aguiar & Cia. Havia uma programação traçada, mas era possível uma falha. O problema é que a cópia chegava pelo navio (não havia estrada ligando Mosqueiro ao centro de Belém) às 18h30 e a exibição tinha o horário padrão de 20h30. Quando estava anunciado o clássico King Kong, de Ernest B. Schoedsack e Merian C. Cooper, chegou, em cima da hora, O seu tipo de mulher, aventura policial com Robert Mitchum e Jane Russell. Eu tinha passado o dia orientando a colocação de um cartaz gigante, na porta do cinema, com o desenho de um gorila. Com a troca do programa, segui direto do trapiche, onde atracava o navio, para a escola-mercado. Cheguei às 19 horas e já havia fila. Muito depressa, arranquei o cartaz de King Kong e escrevi num pedaço de cartolina o título do novo filme. Quando terminei a operação, estava cercado por espectadores indignados. Pensei que, enfim, a mania de cinema ia me legar uma surra. Procurei explicar, mas a vaia não deixou. Corri para o jipe que me transportava nessas aventuras e fui para casa criar coragem para voltar às 20 horas. Voltei, mas não vi público. Aliás, não vi público daí em diante. A falta do King Kong deixou um saldo de descrédito. No último dia das férias (e o cinema só funcionava nas férias), exibi em duas sessões o desenho Alice no País das Maravilhas. Recepção morna. Foi o fim de um tempo. Nunca mais voltei com o projetor para o Mosqueiro. Dez anos depois, o próprio Guajarino encerrou suas atividades com as máquinas jurássicas de 35 mm vendidas. A fase posterior, que eu vi como pré-agônica, durou pouco. O quadro minúsculo da bitola tentou em vão ressuscitar um hábito. Mas nesse tempo a conversa, na vila, era sobre o filme da TV ou a novela das oito.

MOSQUEIRO CINE GUAJARINONesta foto de carnaval, é possível ver-se, ao fundo, parte da fachada do saudoso Cine Guajarino!


[1] O filme curta-metragem, perdido, é Da Vila ao Chapéu Virado de trem, de 1912.


Muito se deve agradecer a Pedro Veriano por essas informações tão preciosas sobre o Cine Guajarino, já que dele nem o prédio ficou, com sua linda fachada.

Referência: VERIANO, Pedro. Cinema no tucupi. Belém: SECULT, 1999, pp. 40-41.

quinta-feira, 7 de outubro de 2010

Mosqueiro em Letras

Procurando por textos sobre Mosqueiro, para organizar um pequeno banco de dados sobre a Ilha, encontrei alguns poemas, de autores já consagrados pelos leitores e pela crítica, homenageando ufanamente ou denunciando as mazelas locais. Todos eles, de qualquer modo, tematizando a “Bucólica”, inscrevendo-a no âmbito dos registros escritos, sejam eles literários, geográficos, históricos, sociais, culturais, etc., não importa tal fato, no momento, já que o relevante é que se tenham dados (os textos) coletados sobre nosso distrito-ilha. O primeiro dos textos que compilei é este, de Antonio Juraci Siqueira, de seu livro Piracema de sonhos:

Mo(s)queiro

Metamorfose de signos ― fonemas
roídos pelo tempo e pelo uso...

Foram tantos verões, tantos invernos
foram tantos poentes e alvoradas
que a ilha do Mosqueiro e dos encantos
perdeu seus moquéns e seus mistérios.

Em que volta do tempo se perderam
os nossos ancestrais que moqueavam
piabas nas marés tepacuemas?

Hoje a ilha do Mosqueiro, em desencanto,
carrega um S enorme e sibilante
encravado no nome e no destino.




Um perfeito insight de Juraci associar o tema da decadência, muito alardeada quando se faz referência à ilha, à suposta evolução linguística que, em tese, teria dado origem à palavra Mosqueiro, muitas vezes confundida com aquela que o dicionário registra como “lugar onde há moscas com abundância”. Não é um poema de caráter ufanista, como a maior parte do que é produzido em poesia tematizando o lugar.
Garimpamos ainda outro belo poema, sucinto ―quase um poema-pílula―, que diz muito por meio de uma linguagem lacunar, sempre a ser completado pelo leitor o sentido sugerido, muitas vezes diretamente ligado à forma organizacional das palavras distribuídas no branco da página, em um isomorfismo raro entre expressão e ideia, a evocar a bela praia da predileção de Max Martins: Maraú (para alguns, Marahú), onde o poeta viveu por um tempo, na cabana chamada Porto Max. O texto integra o livro Caminho de Marahu, de 1983, e vem a seguir:


Mar-ahu

Não
é a ilha

Não
é a praia

E o mar
(de nos fazermos ao)
é só um nome
sem

a outra margem



Outro que surge, no mesmo livro, com as mesmas sutilezas, agora mais para um haicai que para um poema-pílula, é este:


Marahu

A praia
A tarde se desdiz
te diz
se estende
e te dissolve




Aqui Max explora a vacuidade possível das ondas, sempre sonoras, sempre efêmeras, porém tenazmente repetidas, solvidas dentro de si mesmas, tanto no aspecto vísuo-sonoro quanto semântico, tornando a praia um lugar de nostalgias, liquefazendo o ser dissolvido pela passagem do tempo, que parece fluir vagamente como o próprio pensamento, na contemplação da enseada do Maraú.
Na verdade, tudo o que se possa dizer sobre esses poemas, tanto de Max como de Juraci Siqueira, valem apenas como comentários, visto que os poetas já disseram tudo da melhor maneira possível, e o crítico, refletindo sobre sua obra pode estar banalizando-a, no momento em que tenta explicá-la.

O mastro, de Márcio Barradas, na estreia em Mosqueiro (04/12/2009)