Saí daqui de minha Ilha,
voando entre nuvens evasivas,
vendo a pardacenta Baía de Marajó
passar abaixo e diante de meus olhos
como uma bela película em Cinemascope,
rápida e volatilmente, e cheguei
aportando em Cachoeira.
A primeira visita a fazer?
Ao chalé,
onde ouvi as vozes de Eutanázio & Mariinha,
lamentosas ecoando entre as paredes,
que em resposta ouvem as do Major Alberto
folheando livros na saleta das tipografias
e declamando poemas para uma Dona Amélia atenta,
que depois vai contar uma historinha
―se não se perder nas líquidas ilusões de sua despensa ―,
para um curioso rapazinho feridento,
com seu carocinho de tucumã no bolso
e uma fértil mente imaginativa,
voando pelos espaços rumo à cidade grande.
Minu latia para os encantados bois
no fundo do quintal, mugindo por mais capim
e menos água, um adeus à sucuri debaixo do jirau.
Almejei por encontrar Andreza,
vestindo sua pele de cobra coral,
quando passeei ao redor da lagoinha.
Em minhá imaginação, vejo esta cena:
O rapaz, pelo buraquinho do assoalho,
querendo pescar jijus, em busca dos peixes,
ou de si mesmo menino brincando
no tanque com os carocinhos de tucumã,
vê a mim, em flagrante, a espiar-lhe,
buscando na poesia nostálgica
de sua trajetória de vida,
uma saída para meu itinerário de labirinto,
sendas abertas para o passado em rememoração,
e um portal quase eternamente
fechado para o futuro.
Imaginei, para muito além do chalé,
todo um mundão de campos,
às vezes verdes, às vezes queimados,
às vezes inundados...
Vi, com estes olhos que a solidão
há de jamais devorar,
o Dr. Edmundo,
no lombo de seu búfalo branco,
mas sem nenhuma donzela na garupa,
a se embrenhar no mondongo,
ou em sua mítica fazenda da família,
os Menezes,
uma paragem fantasmagórica
belamente denominada de Marinatambalo.
O medo me é uma sombra rastejante de Edgar Menezes,
assassino e prefeito de polícia,
paradoxal imagem de injustiça reinante
por todo o arquipélago, reflexo do poder patriarcal
e do latifúndio que poucos premia
e à maioria castiga: “aristocracia de pé no chão”,
chão encharcado da imaginação
de Dalcídio.
E Dadá, onde estará?
em algum lugar,
a remoer suas mágoas e seus irmãos suicidas...
A Lucíola... Didico tocando piston,
ou pescando os já raros peixes miúdos,
que já não podem mais sustentar tantas amásias...
E Rodolfo deve estar dormindo a sesta,
sonhando com a bobina nova de papel
prometida pelo intendente
Dr. Lustosa,
que pôs cerca em tudo quanto é terra
que cerca Cachoeira, proprietário da Fazenda Bem Comum!...
Por onde andarão Tio Sebastião e Dolores?
―Perdido casal por este mundão de terra e água de Marajó?
É gente demais por encontrar
e,
por ser visita tão breve e não planejada,
não me posso ir sem antes
sentir o cheiro de Sabá Manjerona,
ocupdada com homens em seu barraco,
ou por lá mesmo no cemitério
(ou cemiteros?)...
Os campos de Dalcídio,
seus chãos encharcados
,
as vielas escuras,
os campos queimados,
além de terras cercadas
pelo arame farpado,
pela ganância
e
pela lama,
não mais são que as páginas,
linhas e linhas
que a vista percorre vorazmente,
páginas que são pessoas em suas singelas
alegrias e contínuas dores,
tudo-tudo
espraiado extremamente em dez volumes...
Por ali só não pude encontrar Alfredo.
Talvez por que se tenha tornado
ele
uma sombra apenas,
sombra de uma Cachoeira de cartão postal
perdida entre a memória,
as marés
e o sonho,
sei lá se dele
sei lá se meu
sei lá se seu
sei lá se de Dalcídio
sei lá se de todos nós,
leitores,
num folhear de páginas-marés,
num eterno encheparavazaenche...
Ouvi contar, entre vozes de linhas mal-ouvidas,
ou bem,
que
Alfredo
c
a
i
u por vontade própria, de sua
Ribanceira rumo ao rio,
cujo curso aflui sabe lá aonde,
levando-o talvez a um oceano
que se tiver fim,
este é
o próprio e inapagável começo.
Acima do espelho d’água
paira a consciência de Dalcídio,
que vê seu personagem rumando
―livre―,
por sua própria alteridade,
para um horizonte distante,
dele só, e único, singular...
Eu, de minha parte,
custa-me fechar o livro
―desfazer a “viagem”―,
Encaixá-lo entre outros dez,
na estante,
sair de casa e ver o mundo,
viver o mundo, para além desta Ilha...
Sair no mundo
a escrever minhas próprias páginas...