Por Alcir Rodrigues
Após certo tempo de ponderação, penso hoje que a Ilha já teve sua era de glamour carnavalesco, mas que o tempo já levou junto com aquela época e com o que ficou naquela última curva que o mesmo vento fez, quando primeiro fez desaparecer a agremiação carnavalesca chamada de Expediçao Africana, décadas atrás, que rivalizava, naqueles tempos idos, com Os Peles-Vermelhas.
De lá para cá, as agremiações tradicionais, que ainda a custo conseguem suspirar, como a citada Os Peles-Vermelhas, Os Piratas da Ilha (e até mesmo o Tá Feio!), mais algumas outras que surgiram depois, como a Estação 1ª. de Maracajá (agora em 2012 festejando 25 anos de fundação), como o Bacu de Sunga e As Peruas, entre outras, devem muito mais sua existência ao entusiasmo, à alegria e à empolgação dos brincantes e simpatizantes (ou mesmo foliões de última hora) do que a qualquer suposta ação institucional de algum órgão (im) competente, como por exemplo PMB, ADMO (Agência Distrital) ou FUMBEL, que, diga-se de passagem, se alguma coisa realizam, é apenas um arremedo do que poderiam/deveriam fazer.
Por isso, dá uma imensa saudade ficar lembrando das “batalhas de confete”, com desfiles em frente a palanques montados diante das sedes do Parazinho e do Pedreira. Dá saudade também dos “carnavais de salão”, com seus bailes (o do Havaí, o do Vermelho e Branco, por exemplo), com a bandinha que encerrava o Carnaval na “Praça da Vila”, depois de já ter ido buscar os foliões nas sedes dos clubes já citados, Pedreira e Parazinho; isso na manhã de Quarta-Feira de Cinzas.
Saudade também se sente dos desfiles nos quais as agremiações saíam com suas alas fantasiadas, já que hoje praticamente impera o uso de abadás, hábito que veio com a abaianização e consequente perda de originalidade e identidade amazônida, que se podia constatar na presença de figuras carnavalescas típicas, como o Bicho-Folharal e o Homem-Lama, por exemplo, além dos Cabeçudos ou Marcianos, sem falar na miríade de homens vestidos de mulher, trajando uniformes de normalistas ou enfermeiras.
Nesse tempo, o desfile de Carnaval acontecia nas duas praças da Vila, a do coreto, em frente à igreja, que é a Cipriano Santos, e a da estátua, que é a Princesa Isabel, perfazendo uma volta completa em torno do “largo”. Blocos, como o Tá Feio!, aproveitavam o ensejo e davam várias voltas na “avenida do samba”. Alguns relatam o sugestivo e hiperbólico número de 33 voltas dadas pelo referido e teimoso bloco. Não sejamos céticos com relação a isso!...
Foi por esse período que passou a ser disputado um jogo de futebol, no campo do Pedreira, entre os times Bonecas e Deslumbradas, no dia 1º. de janeiro. O evento logo-logo tornou-se tradição. Os atletas, todos homens, um tanto sob efeito etílico, fantasiados de mulheres, exibiam talento e técnica que só os ilhéus daquela época (e talvez alguns belenenses simpatizantes do carnaval daqui) tiveram o direito de testemunhar. Uma pena que tal tradição acabou!...
Os desfiles fantasiados, incluindo alas organizadas e bem divididas, com carros alegóricos coloridos, tudo de acordo com o enredo defendido pela agremiação, também chegou ao fim, junto com o itinerário que cobria o entorno da “Praça”. Hoje, parece que as “otoridades” e dirigentes das agremiações não mais fazem questão de desfiles desse tipo e nesse espaço privilegiado, mencionado por Castro Alves como local pertencente ao povo, no poema “O povo ao poder”, que inicia assim: “A paraça! A praça é do povo/ Como o céu é do condor”. Sendo esse poeta baiano, em Salvador certa praça recebeu seu nome, para homenagear tão ilustre conterrâneo. Por isso, Cetano, renovando o dito do poeta, diz que “A Praça Castro Alves é do povo como o céu é do avião”.
Apesar de coerentíssimos, retomando inclusive uma ideia lá da Grécia antiga, quando a praça era espaço privilegiado de discursos e debates de natureza vária (e se chamava ágora), ambos os artistas são contrariados por essa prática retrógrada, aqui de Mosqueiro, de desrealização carnavalesca na praça, que deixa de ser do povo, portanto. E de quem será? Só se pode afirmar de quem não é mais: do folião. Pois aqui, diferentemente de Salvador, o que apraz aos “pensadores” do empreendimento carnavalesco na Ilha é sua marca notória de decadência. Não importa que tal atitude burra espante o turista, que esgane o emprego e a renda, que sufoque a brincadeira e a alegria momescas.
Já em Salvador ocorre o oposto disso: a estratégia logística bem arquitetada dos circuitos de blocos e trios elétricos desvia o trânsito, distribui e controla os agentes de segurança, com o apoio dos órgãos competentes, entre eles, as secretarias de Segurança, do Turismo e da Cultura, privilegiando a liberdade de ir e vir do folião (brasileiro ou estrangeiro), para este brincar seu carnaval alegremente e, claro, retornar nos próximos anos. E tudo tem sua apoteose na Quarta-Feira de Cinzas, na Praça Castro Alves (Esta, sim, do Povo!). Só que issso não representa o fim do evento, só o (re) começo de uma festa que seguirá até o domingo próximo, para a felicidade não só dos foliões da quadra momesca, mas também a dos trabalhadores em geral, que sentem positivamente em seus bolsos o incentivo da economia local aquecida. É um dinheiro muito justo e bem-vindo, para a alegria de todos e felicidade geral, parafraseando o bom viveur D. Pedro I.
É fácil camuflar a falta de vontade política e o descaso usando em defesa disso a bandeira da segurança pública, o respeito à religiosidade, ou sei-lá-o-que-mais; isso é fácil. O que não é fácil é explicar por que se despreza o estímulo ao emprego e à renda, com o incremento ao turismo como ponta-de-lança desse bem. Também não é fácil explicar que não se estimule o lazer, a cultura e a arte locais. Pois o Carnaval também contribui (E muito!) para o desenvolvimento desses setores.
Como se vê, o único incentivo institucional dado é o caminho para o abismo, ou o fundo do poço! Nem direito sequer a uma frase esperançosa, como “Fé no que virá!” Só o que resta, então, é o melancólico destino que deixa na lembrança dos mais idosos aquela frase paradigmática: “Ah! No meu tempo é que era bom!” Agora, no final da estrada, o esperançoso caminhante encontra tão-somente a decadência, os rastros do que “já-foi”, do que “já-teve”. Junto com a decadência, emerge da lagoa o vazio cultural, a mediocridade da ruína e da pobreza (neste caso, em diversos sentidos). Por tudo isso, pede-se o seguinte aos Srs. Gestores dos órgãos competentes (PMB, ADMO, FUMBEL) e aos dirigentes das agremiações carnavalescas: “Chega de décadence aprés élégance. Devolvam a praça e o Carnaval ao povo!”
Por fim, resta dizer que o Carnaval, verdadeiramente, não pode subsistir sem exalar beleza por todos os poros da epiderme na avenida, nem também sem a alegria no coração do brincante, sem o samba no pé (ou o frevo, o maracatu, dependendo do lugar), ou sem as marchinhas saudosas dos tempos idos, embalando no ouvido e na alma de todos o amor incondicional pelo Carnaval, verdadeira e inegável festa do povão.
Apesar dos pesares... Um bom Carnaval para todos. Um abraço para todos os tafeienses de coração, que aqui brindo com uma sequência de fotos resgatadas do ostracismo pelo amigo Gajoba. Também brindamos a todos com o mais ilustre tafeiense, ele o grande inspirador da estética do Bloco, fechando a sequência.
Adivinhem quem é?