Por Alcir Rodrigues
Discurso
para leitura em uma Mostra Científica e Cultural da Escola Honorato Filgueiras
O
ser humano, diferentemente de quaisquer outros seres, é dotado de razão. É
capaz de observar a realidade, as outras pessoas, a si mesmo, o mundo inteiro,
enfim, e refletir a respeito de tudo isso, buscando respostas para seus
anseios, seus questionamentos, suas inquietações. E, a partir das primeiras
respostas, outras questões, cada vez mais profundas e complexas, surgem.
Soluciona uma situação-problema, outras mais difíceis lhe assomam. Mas é da
natureza humana libertar-se do interior da caverna obscura da ignorância –como
nos ensina Platão– e buscar a luz, a clareza, a solução para suas
perplexidades.
Nessa
busca, percebe que o conhecimento é uma estrada pedregosa e espinhenta para se
trilhar; também é longa, sinuosa. Os obstáculos podem surgir a cada nova curva,
a cada ponte, a cada possível desmoronamento ou íngreme ladeira. Por causa
disso, para o bom estudante – pesquisador, pesquisadora–, ter um projeto de vida
é importantíssimo, com etapas a curto, médio e longo prazos, concretizando-os
aos poucos. Uma pessoa, como nos ensina Sartre, nunca é o que é, torna-se o que
quer ser, libertando-se, inclusive, da alienação do pensamento individualista,
superando-o por meio de ideais coletivistas, que buscam o bem- comum.
O
conhecimento é, sim, o caminho para um mundo melhor. Entretanto, é
imprescindível que o conhecimento supere a barreira do que é entendido como
estanque, que teima em separar a teoria da prática. Só que, ao se adotar uma
perspectiva menos focalista e mais holista, passa-se a ter a convicção plena de
que é necessário praticar a teoria e teorizar a prática, pois uma não existe
sem a outra. E nossa Mostra é uma experiência de pôr em prática a teoria estudada,
além de que tem como uma de suas mais cruciais finalidades dar ensejo à
autonomia que deve ser mais cultivada entre as/os estudantes e que deve também
nortear suas vidas desde já, considerando-se como pesquisadores, que já o são.
Nossa
escola tem o compromisso de estimular cotidianamente o trabalho
docente/discente no âmbito da produção científica a partir da pesquisa
estudantil dentro das Áreas do saber, quais sejam: Códigos, Linguagens e suas
Tecnologias, Ciências da Sociedade e suas Tecnologias e Ciências da Natureza e
suas Tecnologias. Assim, o conhecimento empírico do senso comum será
compreendido como o não único existente, ao lado do religioso, do filosófico e
do científico. Nessa perspectiva, é certo que nossa escola cresce, cresce com a
estudantada, cresce com a comunidade e amadurece como instituição séria que é.
Todos nós, de fato, como componentes da comunidade escolar honoratense, temos a
obrigação de fazer desta Mostra o pontapé inicial de uma atividade promissora,
que não será a última. Outras virão. Obrigado!
*
The Cooper-Hofstadter polarization
Sheldon
Cooper e Leonard Hofstadter são protagonistas da série de televisão
norte-americana The Big Bang Theory
(A Teoria do Big Bang), veiculada
pelo canal pago Warner. Os dois são doutores em Física, trabalham no Instituto
de Tecnologia da Califórnia, conhecido comumente como Caltech, diretamente
ligado à Nasa, e dividem um apartamento. Portanto, são amigos, além de serem,
vez por outra, parceiros em alguns projetos de pesquisa.
Só
que, no episódio 9 da 1ª temporada, denominado de “A polarização Cooper-Hofstadter”
(“The Cooper-Hofstadter polarization”),
houve uma certa ruptura na relação de amizade e cooperação entre eles. Esse
fato ocorreu quando foram convidados a explanar, em uma conferência sobre
Física, a respeito de uma pesquisa da qual os dois foram coautores em
publicação em periódico especializado.
Leonard
ficou chateado porque Sheldon jogou o convite na lixeira (onde, por acaso, foi
encontrado), sem sequer lhe mostrar, alegando este último que não iria
palestrar para pessoas que nada entenderiam da matéria tratada,
menosprezando-as e considerando-as pouco inteligentes. Mas Leonard queria ir ao
evento, no que teimosamente se opôs Sheldon, reafirmando que não iria e nem
autorizaria Hofstadter a conferenciar sem sua participação.
Mas
Leonard foi assim mesmo, na companhia da namorada Penny e dos amigos, também
cientistas (e nerds, também!), Howard
e Haj. Como era de se esperar, tudo correu bem com a explanação de Leonard, até
o momento perto do fim, quando se abriu espaço para questionamentos e debate.
Para
surpresa de todos, desde o público da conferência até os telespectadores, passando
pela namorada e os amigos e – acima de todos, Leonard–, quem está ali, sentado
no meio do público, disfarçado? Nada menos que o Prof. Dr. Sheldon Cooper, que
retira o disfarce e ataca em voz alta a qualidade do que foi exposto, exceção
aberta, segundo ele, à piada contada pelo conferencista no início, que foi
hilária.
Indo
na direção de Leonard, fica a seu lado no tablado do auditório. Lá, começam a
discutir e, antes de partirem para as vias de fato de uma briga cômica e
desastrada, em que Sheldon tenta, com o poder de sua mente, destruir a mente de
seu ‘colega’, ao estilo do filme Scanners,
e este segura suas mãos, para que não possa colá-las na sua fronte, para focar
seu poder de destruição, começam então a discutir.
Em
outras palavras, Sheldon reitera que não necessita da condescendência de
pessoas com mentes menores, dirigindo-se nesse momento para audiência, com a
expressão: “No offense!” Leonard, também, em dado momento da discussão, diz
algo semelhante a: “Não sou o único mais inteligente que qualquer um nesta
sala!” E também tenta retificar: “No offense!”
Tudo
é filmado por Howard, que concomitantemente responde à pergunta feita por
Penny, dizendo ser ‘aquilo’ muito comum em eventos científicos de Física,
salientando que aquela “batalha de egos” é corriqueira nos ambientes
acadêmicos. Sem nenhum titubeio, tudo é postado na Internet e torna-se vídeo ‘viral’.
E parece que o propósito destas linhas se perdeu...
Talvez
nem tanto, já que gostaria de fazer algumas considerações a respeito desse
episódio. Primeiro, que se poderia renomeá-lo como “The Cooper-Hofstadter EGOpolarization”. Traduzido o novo título
para o português, ficaria assim: “A polarização dos egos: Cooper X Hofstadter”.
É, o egocentrismo não é nenhuma exceção entre pesquisadores acadêmicos. Além
disso, a atividade nas Instituições de Nível Superior são uma espécie de
berçário para a vaidade intelectual, esta que vem sempre acompanhada por
pitadas de outras especiarias, tais como: um pouco de arrogância, de presunção,
de pretensão, de empáfia e de antipatia mesmo, em muitos casos.
Na
verdade, em alguns contextos, esses substantivos podem assumir propriedades
sinonímicas, isto é, denotam sentidos semelhantes uns em relação a outros. O
que importa, mesmo, é que apresentam axiologias negativas, marcadas
semanticamente pelo sinal de menos (-). Trata-se aqui de sintomas advindos da
competitividade comum ao mundo da pesquisa acadêmica, bem ilustrado por Pierre
Boudieu no livro Os usos sociais da ciência,
no qual considera importante
entender esse lado ruim das relações sociais na academia:
Compreende-se
que nessas condições se esteja longe da visão hagiográfica da ciência que é
desmentida por tudo o que se conhece da verdade da pesquisa: os plágios, o
roubo de ideias, as querelas de prioridades e tantas outras práticas que são
tão antigas quanto a própria ciência. (2004, p. 31)[1]
Na
verdade, tais posturas desprezíveis atravessam transversalmente todos os campos
imagináveis (e talvez, até, inimagináveis) da atividade humana. E, se estão tão
bem corporificadas no nível superior de ensino, por que não estariam muito bem
instaladas, também, na educação básica? Talvez isso não ‘acontecesse’
frequentemente antes da criação de certos programas implementados pelo MEC,
tais como o ProEMI (Programa Ensino Médio Inovador), que injetam verba
considerável para capital (aquisição de material permanente) e custeio
(material de consumo e pagamento de serviços) no que se chama de PRCs (Projetos
de Redesenho Curricular).
Também
porque, em passado distante, ou mesmo recente, não havia tantas ‘olimpíadas’,
de tantas numerosas disciplinas, nem tantos encontros, feiras ou mostras
científicas e culturais Brasil adentro ou afora, pela América Latina, subsidiados
por verbas para “bancar” os deslocamentos e estadias, intercâmbios, até, que
antes eram um sonho quase impossível e que agora se tornaram um barril de
possibilidades para quem pesquisa, mesmo na Educação Básica.
Mas
a disputa, o arrivismo, as acusações de plágio, os confrontos relacionados ao
capital científico; enfim, uma gama de problemáticas acirradas já se instaurou
nesse segmento tão importante, principalmente no Ensino Médio. É disso que
trataremos, de modo bem genérico, é verdade, no segmento textual subsequente,
fazendo referência, principalmente, aos percalços enfrentados pela Coordenação
e pelo Conselho Escolar, advindos de envios de ‘provocações’ via redes sociais,
por meio de figuras já denominadas de haters
(palavra etimologicamente advinda do verbo da língua inglesa to hate, traduzida como ‘odiadores’).
Retomada
de um assunto afim: fazer Docência e/é fazer Ciência
É
preciso tomar bastante cuidado com o emprego da linguagem, ao se tratar do fato
de se fazer (ou não) Ciência. Alguns, ao usarem a tecnologia, manipularem
equipamentos ultramodernos e complexos, confundem-se e pensam que estão a
produzir Ciência. Em certos casos, sim; em outros, talvez; em diversos outros,
não. É sobre essas questões que discutiremos neste texto.
O
estudo científico nunca prescindirá do caráter investigativo que o faz
tornar-se Ciência. E, muitas vezes, o pesquisador, na busca por respostas, tem
apenas o alcance das perguntas. As respostas só virão, em muitos casos, em tempos
vindouros. Talvez até longínquos. A demora também se dá em relação à aceitação,
pelo mundo acadêmico, das descobertas recentes ainda não tão bem acomodadas aos moldes do ideário contemporâneo (Que não seja, pois, uma Cama de Procusto).
Porém,
é justamente a partir de boas e significativas perguntas que a boa e velha
Ciência se consolida. Problematizar é preciso. Viver não é preciso,
parafraseando Fernando Pessoa. E, por isso, é premente que se possa aceitar
como questionamento plausível esta inquietação: – Até que ponto algumas pessoas, na trilha de seu fazer cotidiano da
práxis docente, não estão se guiando pelos ‘parâmetros’ do estrelismo e da
vaidade?
Algures
li que Pitágoras cria que os conhecimentos da Matemática eram destinados
somente a iluminados. E, em uma atitude típica de quem assim se considera,
tentou escamotear a existência de números irracionais, pois almejava que sua ideia
de que o número rege o universo fosse uma verdade absoluta. E, para tanto, o
número deveria ser perfeito.
Na
busca por um cientificismo puro, um experimentalismo a toda prova, não podem
alguns estudiosos descambar, como muitas vezes já aconteceu, para o rumo do que
já se convencionou chamar de “razão instrumental”? Pode existir Ciência sem
consciência (com-Sciência)? O processo de ensinar-aprender Ciência não elide,
indubitavelmente, seu caráter humano de se produzir, divulgar e compartilhar o
conhecimento. Assim como não poderá, jamais, elidir a Ética, o respeito ao
trabalho do colega, o respeito ao trabalho em equipe.
Nesse caminho, existe a
possibilidade do erro. Mas é de tentativas e erros que nascem os acertos. Além
disso, sempre estamos a nos apoiar em ombros de gigantes, não é mesmo? Então, o
que Descartes pensaria da transformação de seu silogismo mais afamado neste
reles sofisma abaixo?
“Eu faço Ciência;
Logo,
existo.”
E
o que pensaria ele deste também?
“Os
outros não são Eu;
Logo,
não fazem Ciência [como Eu faço].”
Há
muito de eu e pouco de nós em um discurso que condena a prática
do outro (ao mesmo tempo que louva a sua), esquecendo de que o trabalho em
equipe potencializa e dá andamento mais seguro e veloz na prática do docente-pesquisador.
Não
é de hoje que se vê na Educação a grande importância dada em se elencar como
legítimos apenas os conteúdos conceituais, deixando-se de lado os conteúdos
procedimentais e os atitudinais. (Respectivamente, os primeiros dizem respeito
a o que se deve ensinar; os segundos,
a como se deve ensinar aquilo que se deve
ensinar; já os terceiros, estão vinculados a valores éticos e de cidadania,
buscando um para quê se deve ensinar
aquilo que se deve ensinar.)
Nem
seria necessário dizer, contudo é bom evidenciar, que os paradigmas
educacionais vigentes consideram que Ciência, Tecnologia, Trabalho e Cultura
constituem um quadrinômio basilar que deve indiciar um norte à prática do
binômio ensino-aprendizagem. Como diria Montesquieu em relação aos Três Poderes
(Executivo, Legislativo e Judiciário), são soberanos, isto é, independentes,
mas também harmônicos entre si.
Fazer
Ciência na contemporaneidade é praticamente improvável a partir unicamente da
unilateralidade do fazer especulativo. O apoio da experimentação é essencial
para a comprobabilidade do que se postula. É aí que a tecnologia entra como
ferramenta poderosa de apoio ao processamento da práxis científica.
Os
tipos de metodologia de análise científica e uso de tecnologias variam
significativamente – é preciso mencionar–, de Ciência para Ciência, de uma área
do conhecimento para outra. E muito por causa disso, uma pesquisa em uma área
não deveria ser mais valorizada que a pesquisa em outra área. Entretanto, é o
que comumente ocorre, o que constitui um grave erro, justo por que se diz que
uma ou outra pesquisa é mais estratégica que
outras.
Na
verdade, sempre há mais verbas para tudo o que está ligado a certas áreas, como
no caso dos U.S.A., a área bélica. Trata-se de um exemplo emblemático. Tal fato
já dá ideia do porquê do caos ao qual os seres humanos têm conduzido
globalmente suas sociedades, e o colapso ao qual estão levando o planeta
inteiro, por causa de metas irracionais de desenvolvimento econômico sem
desenvolvimento socioambiental.
O ser humano, de
fato, só se constitui em sua integralidade como ser humano de fato e de direito
perante a sociedade por ser potencialmente um ser de múltiplas inteligências,
como bem o diz Howard Gardner, embora desenvolva melhormente algumas
inteligências mais que outras. E nenhuma inteligência pode ser ‘melhor’ do que
outras.
Certamente,
há um sem-número de males a serem combatidos em instituições públicas, ou
privadas, em geral. E um dos piores em instituições públicas, no mundo todo,
porém mais notoriamente (para nós) aqui no Brasil, é a falta de comunicação e
integração entre funcionários em geral, além de arrivismos entre equipes e
entre indivíduos. Nada funciona nessas unidades estatais por causa disso,
principalmente quando dizem respeito a esses fatos, infelizmente, em
estabelecimentos de ensino.
[1]
BOURDIEU, Pierre. Os usos sociais da
ciência: por uma sociologia clínica do campo científico. SP: UNESP, 2004.