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quinta-feira, 22 de julho de 2010

Pequenas reminiscências

Abre o baú, e dele saem
(como se da Caixa de Pandora)
aladamente todos os liames
do passado tempo,
fios de memória atando
objetos a lugares e pessoas
dentro de si,
que nasce e morre
na natureza-morta de fatos/fotos e desenhos,
de documentos,
de uma caneta-presente recebida
com muito orgulho, da escola...

Memórias dentro de si se inserem
e fora de si se disserem e evaporam
e têm gosto amargo...
e encharcam os olhos,
quando o baú se fecha
consigo dentro...
(de minha autoria)

sexta-feira, 9 de julho de 2010

Agradecimento

Sempre combativo contra
toda forma de desigualdade,
ele não silenciará jamais,
porque sua voz ecoa
―em metáforas desconcertantes ―
pelas páginas por nós lidas,
suas obras dialogam
com o mundo e denunciam
com sarcasmo peculiar
as contradições
que tanto ainda nos atormentarão
nas trilhas abertas por suas linhas,
e ainda mais por suas entrelinhas,
a levar a luz ao fundo da caverna,
permitindo a mim,
entre muitas coisas,
fugir,
sutilmente como um elefante
viajante,
da ilha desconhecida
onde
―sem nenhuma intermitência―,
pode me aguardar,
com a lucidez de uma cegueira branca,
a minha própria morte,
como a de um Cristo Sem Evangelho!
―sem sequer poder sonhar com a ressurreição―,
como um Ricardo Reis no ano de sua morte,
sempre sabendo o que fazer
com estes seus livros,
estes muito mais que quase objectos,
possíveis mapas,
para em Lisboa fugir
do histórico cerco junto com Fernando Pessoa
e chegar a visitar memoravelmente,
e rápido escapulir,
do convento,
anônimo, ou por todos os nomes
possíveis chamado,
inclusive o de Caim,
irônico rebelde
e gritar
―Saramago, Saramago!
por tudo o que fizeste,
disseste
e
escreveste,
obrigado, muito obrigado,

José Saramago!

terça-feira, 6 de julho de 2010

O f/ato de re/ler

As marcas codificadas carimbadas no papel
emanam sombras, silhuetas enigmáticas
― interpenetrando córneas adentro ―,
e acabam pela íris refletidas de volta no papel...

Os signos então se releem em seu reflexo,
se redimensionam ao se (re)verem,
se repensando no confronto do espelho convexo
binocular de um circunspecto minucioso leitor.

Por seu lado, o cérebro, o ilustre receptor,
interpreta tudo, mas secundariamente:
os dados são sensações (não mais) oculares,
dependentes estas em parte, da visão saudável,
sim ou não, de cada um simples leitor.

domingo, 4 de julho de 2010

Paisagens (re) memoráveis

Ampla maioria dos mosqueirenses desconhece o fato de que já foram publicados dois romances ambientados aqui em nossa pacata ilha de Mosqueiro. Pessoas, lugares, fatos e situações referentes à nossa terra, que já foi nomeada de Bucólica, foram ficcionalizados pela pena de dois ilustres paraenses, escritores que viveram parte de suas vidas nesta terra e a tornaram locus de ação de seus personagens; contudo, em que pese o fato de ambientarem suas histórias no espaço mosqueirense, fato que aproxima as duas obras, estas, no entanto, se distanciam no que tange ao clima sugerido pelo enredo de cada uma. É disso que passaremos a discorrer nas linhas que se seguem.
O locus amoenus (um lugar ameno e agradável para se viver), verdadeiro paraíso perdido e irrecuperável, docemente aquarelado por Cândido Marinho Rocha (1907-1985), nas páginas de seu romance Ilha, capital Vila, publicado em 1973, contrasta notoriamente com o locus horrendus (um lugar assustador para se viver), painel violentíssimo traçado por Edyr Augusto em seu Moscow, romance este publicado quase duas décadas depois, em 2001.
Esse contraste torna-se gritante, ao fazer-se comparação entre as duas obras. A de Marinho Rocha, Ilha, capital Vila, envereda pela trilha do ufanismo e do bucolismo em relação ao tratamento dado à ambientação, também possivelmente porque sua produção data da era do Milagre Brasileiro, do general-presidente Médici, em plena ditadura militar. Esse fato torna-se patente ainda mais, quando se leva em consideração o fato de seu subtítulo ser “Histórias e estórias de uma ilha cercada de amor por todos os lados”.
O painel ultraviolento desenhado em Moscow expõe a Ilha em cores fauvistas, isto é, fortes e vivas, em sintonia com todo um quadro de acontecimentos que impressiona por uma verossimilhança surreal (como numa tela de Salvador Dalí). Como foi publicado em 2001, escrevi, algum tempo atrás, que tudo no romance soa como notas reais de uma música ainda não tocada apenas pela falta dos instrumentistas, que logo, logo subirão ao palco para compor uma cruel orquestra, a tocar aterradora sinfonia para um público boquiaberto, atônito, só percebedor recente da degenerada mutação social que já se abatera sobre a “Ilha Perfumada pelo Amor”, nas palavras de Marinho Rocha.
Ilha, capital Vila, com sua atmosfera de bucolismo, onde pairavam no ar os amores livres de Dona Rosamor, e do personagem central Zozó, dentre outros personagens que vivenciaram os acontecimentos pitorescos na Ilha, de 1931 a 1943, dá mostras de uma mítica e doce recordação que praticamente só vive na memória dos mosqueirenses mais antigos. Já Moscow, por toda crueza da violência que povoa suas páginas, com o personagem central e seus amigos praticando atos de agressão gratuita de toda natureza, além de assaltos, estupro e assassinato, tudo homologado pelos fatos reais e cotidianos da contemporaneidade, é profético e atual, e aterrorizante. No geral, os dois romances têm qualidade e apresentam um panorama humano e social com o qual o mosqueirense, sem sombra de dúvida, se identifica. O leitor deve lê-los, fazer comparação e ponderar: “O que teria uma pessoa a ganhar, se não os ler?”



Autor: Cândido Marinho Rocha. Título: Ilha, capital Vila.
Cidade: Belém
Editora: Falangola
Ano: 1973
Páginas: 206




Autor: Edyr Augusto
Título: Moscow
Cidade: São Paulo
Editora: Boitempo
Ano: 2001
Páginas: 68

Páginas de culpa

Desde criança que comecei a perceber que os livros que não terminei de ler são como viagens iniciadas mas nunca acabadas, e o pior, sempre por acabar, tal como uma maldição a me perseguir, como uma alma penada que não tem destino no mundo porque seu destino interrompido não a deixou seguir até o fim sua viagem.
Assim, muitas viagens tenho por fazer, muitas releituras a recomeçar, pois a estradas pelo meio percorridas não me são mais familiares. Tudo tem de ser reiniciado, passo a passo, estrada a estrada. E cada quilômetro percorrido, uma sina da qual meio pela metade me livro, a alma a se libertar de uma pesada cruz.
Qual dessas cruzes, penso, mais me atormenta ainda hoje? Talvez o Evangelho segundo Jesus Cristo? Talvez O perfume? Talvez o livro inicial da série Em busca do tempo perdido, o romance O caminho de Swan? Muitos livros, muitas histórias inacabadas, plagas jamais visitadas, paisagens nunca admiradas, pessoas excepcionais e desconhecidas, batalhas por vencer, e perder também, experiências a me moldar o caráter, a me fazer crescer em personalidade, mundos a explorar. Entre esses mundos, uma visita inacabada, que quero o mais brevemente possível acabar de fazer, é a visita ao Ulisses de James Joyce, esse irlandês pregador de peças em palavras, esse prestidigitador das páginas, essas que virarei sem pestanejar, logo tenha em mãos o livro, romance-esfinge por decifrar, eu novo Édipo então, todo orgulhoso.
O mesmo acontece com o Grande sertão: veredas, outra esfinge, outro mapa literário de veredas por percorrer, jagunços por enfrentar, o Bem e o Mal a se digladiarem em páginas memoráveis de um estilo de contar falando, de Riobaldo, fazendo as coisas acontecerem diante de meus olhos de leitor atento interessado, meio perdido, meio me achando ali pelo mato, pelas travessias de rios, ouvindo os berrantes dos condutores da boiada. Não sei por que não me perguntam todos os dias, quando caminho nas ruas, como se virando páginas em branco, porém povoadas de personagens promotores de tribunais de literatura, interrogando-me duramente: “Por que parou? Parou, por quê?”
Com o Terra de Caruaru tudo foi diferente: primeiro, porque pedi a um amigo ‘livreiro’ ― sempre me trazendo livros que ele dizia ter ganho de alguém, mas que não leria nunca, e eu sempre dizendo “Não!” a princípio e acabando por aceitar o presente ― que me trouxesse esse romance de José Condé, pois dele já lera a novela (maravilhosa!) Vento do amanhecer em Macambira. Estava curiosíssimo pelo que iria encontrar em Terra de Caruaru, só que, por diversos motivos, acabei não passando da página 50. Minha mãe e esposa já o leram e adoraram. Eu já reiniciei sua leitura três vezes; contudo, não dei prosseguimento a ela. É uma prioridade para mim, assim como o Passagem dos Inocentes, que preciso ler com urgência.
Em uma situação como essa, em que vivo constantemente sob a acusação ―minha própria acusação ― de culpado por não ler, por não saber da beleza das obras deixadas de lado, com um peso enorme na consciência de leitor frustrado, não há como vociferar um “Protesto!”, pois ouviria sempre e sempre um “Mantido!”, e com toda a razão do mundo me calaria e assumiria a culpa do crime de ter perdido o que perdi, irremediavelmente. Punição? Prisão perpétua, sem nenhuma página para ler...