O Blog trata de temas ligados à Ilha de Mosqueiro, mas não por isso pretende se isolar em um localismo infrutífero; em vez disso, procura inserir a Ilha como um lugar no mundo, enfatizando suas singularidades;por outro lado, também objetiva divulgar minhas reflexões sobre língua, linguagem e pensamento, literatura e artes em geral, além de assuntos diversos,sempre procurando revelar traços ideológicos nas entrelinhas do tecido textual, na tentativa de ser o mais coerente possível.
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terça-feira, 1 de março de 2011
Resumo do romance Ponte do Galo
A história do romance Ponte do Galo se passa no início da década de 1920 e divide-se em duas partes, às quais o autor não deu título. Na primeira (que vai da página 03 à 120), o personagem central Alfredo regressou de seus estudos na capital, Belém. Ele tem nesse momento 17 anos, já é um ginasiano da segunda série [1] e retornou para Cachoeira, no arquipélago de Marajó, com o intuito de passar as férias no chalé dos pais, o Major da Guarda Nacional Alberto Coimbra, e dona Amélia, esta que se empenhou como pôde em realizar o sonho do filho de ir estudar na cidade grande.
Na pequena Vila onde nascera, Alfredo passa o tempo revendo personagens familiares, como o tio Sebastião, irmão de dona Amélia, e outros da redondeza, como o Salu da venda, Dadá, Rodolfo e Didico (irmãos de Lucíola, a solteirona suicida que queria criar Alfredo como seu filho) e a prostituta Sabá Manjerona, entre outros conhecidos do personagem. Todavia, acima de tudo, o ginasiano permanecia mesmo era dentro de um recinto do chalé, a saleta, nicho que tomaria para si nesse período, com toda a nostalgia de ter sido espaço de predileção de seu irmão, Eutanázio, morto após quarenta dias de agonia. Era esse também o espaço preferido de seu pai, onde ficavam seus catálogos e livros, além da tipografia.
Instigado por dona Amélia a sair de casa, a dar um passeio, Alfredo teve encontros marcantes com pessoas com quem manteve conversa, pontos altos dentro da narrativa. Foi à casa dos irmãos Saraivas e lá encontrou Dadá, que reclamou, dizendo-se farta da cidade, remoendo mágoa por uma Belém da época em que a vida era mais promissora para sua família. Falou também com o Salu da venda do trapiche que, entre outras coisas, contou a Alfredo que não podia mais ler, pois tinha a vista e a curiosidade cansadas. O cupim é quem lia então seus livros. Encontrou na lagoinha Didico, que lhe disse, mentindo, ter dado seu barco. Encontrou muitos outros personagens que povoavam a cidadezinha de Cachoeira. De todos eles, destaque se dê à Sabá Manjerona, uma prostituta, que lhe facilitou um 'encontro' com uma mocinha da idade dele, página entre lírica e erótica do flanar de Alfredo pelas noites cachoeirenses.
Além do encontro e da conversa mantida com seu tio Sebastião, que lhe pediu segredo de sua estada por ali, destacam-se os momentos memorialísticos do filho do major Alberto. A mente se dispersa e 'viaja' para Belém, para suas ruas suburbanas, perdendo-se em digressões, em questionamentos sobre o paradeiro das personagens Luciana e Andreza, sobre Edmundo e sua lenda, a cavalgar no lombo do búfalo e levar embora consigo as moças de Cachoeira, sobre enfim seu desalento com o tipo de ensino obrigado a 'assimilar' no ginásio.
Pela atitude pacata, sonhadora e passiva de seu pai diante da vida que levava em Cachoeira, o filho não recebia a atenção paterna desejada, como por exemplo a resposta que queria às cartas enviadas de Belém. Por isso, era com a mãe que Alfredo procurava dialogar. Sendo o pai branco e letrado, totalmente diferente da mãe ― negra e iletrada ―, era de se imaginar que ele é quem deveria responder aos questionamentos do filho. Contudo, esse alento somente encontrava na figura de sua mãe. Esta, em dado momento, relembrou e lhe contou o fim de uma história que ficou por terminar quando diante dele, de Mariinha e de Andreza, ainda em Três casas e um rio, perdeu o fio da meada e prometeu para mais tarde terminá-la. Trata-se da história oral "O velho e o lilás".
A segunda parte do romance (da página 121 à 175) situa Alfredo já de volta aos estudos em Belém, cidade antes de encanto para o menino, que aos poucos se transformou, aos olhos do adolescente, em desencanto. Então sua 'musa' deixou de ser uma cidade de sonho (como lhe pintaram Belém em Chove nos campos de Cachoeira [2]), para se tornar uma cidade de periferia, noturna, feia, cidade pós-lemismo [3], decadente e labiríntica para um Teseu que não encontra sua Ariadne, muito menos o fio a lhe guiar na sua busca por Luciana (CHAVES, Ernani, 2006, p. 40). Dona Santa, sua filha dona Dudu, suas netas órfãs Ana, Nini e a sobrinha ausente sempre presente Luciana vivem e emanam vida na voz e na mente do narrador e de Alfredo, possibilitadores, os dois, de nosso passeio ― como leitores que somos ― por uma ponte interligadora entre oAlfredo menino e o Alfredo adolescente.
Assim como em Cachoeira, pontos altos são os encontros e conversas marcantes com inúmeros personagens pelas noites do subúrbio belenense, no perambular sem fim do ginasiano pelas ruas principalmente do Telégrafo, ali pelas proximidades da Ponte do Galo. De dia, entre o ir para e o vir de Alfredo do ginásio, estava sempre ao telefone a dona Brasiliana, sempre a falar alto, a alardear suas influências com os poderes públicos, a dar opinião sobre a "questã" de terras do Cel. Braulino Boaventura ― o Cel. Delabençoe―, sobre a enjeitada filha deste, Luciana, tentando saber de Alfredo alguma informação sobre esta.
Ao perambular de dona Santa pela noite, sempre no seu trabalho mal remunerado de parteira, junta-se a busca zelosa por suas netas, Nini e Ana, principalmente esta, sempre à procura de um velório. Muitas vezes, Alfredo acompanhava a idosa. Outras, o filho de dona Amélia ia sozinho, no que encontrava Ana, sempre a escapulir deste. Nessas caminhadas, era possível ver Zuzu, embaixo da jaqueira, a se defender dos moleques que a perturbavam. É bem patente a chamada de atenção do narrador para as roupas rasgadas e sumárias de Zuzu, a denunciar sua extrema pobreza.
Às conversas com dona Dudu, esta costurando sempre e sempre criticando a ingenuidade da mãe dona Santa em relação às netas desta, junta-se a conversa com Esméia, a que queria conhecer o palacete do Cel. Delabençoe, e acaba por convencer Alfredo, que a conduz pela casa às escuras no fim de Ponte do Galo, quando são por Ana flagrados,escapando de dentro da casa, pulando a janela da frente, quando temos o epílogo do romance, com estas palavras bem significativas e quase proféticas, proferidas por Ana: "― Botaram vocês dois pela janela?"
É possível a errônea inferência de que o tratamento dado ao espaço de Cachoeira seja mais enfático que o dado ao de Belém, em face da disparidade de quantidade de páginas a mais dedicadas à primeira parte do livro, que é de 117 páginas, em oposição às 54 da segunda. Mas a intersecção dos espaços (sobre o que adiante nos debruçaremos com profundidade) anula essa impressão e o espaço belenense avulta em importância no romance.
Embora constitua o sétimo livro do Extremo-Norte, Ponte do Galo, no nosso entender, pode ser lido isoladamente, por compor um todo íntegro em seu universo ficcional. No entanto, sendo assim parte de vasta obra cíclica, sua leitura pode e ― mais que isso ― deve ser feita no contexto do ciclo do qual o livro faz parte, com isso ganhando o leitor um redimensionamento de compreensão, um enriquecimento mesmo do processo de recepção da obra do romancista marajoara, o que pode levá-lo a considerar esse romance como um rio afluente cujo curso deságua em um rio maior, que é o conjunto das dez obras. Assim, as águas que passam por Ponte do Galo (tomando-as aqui como uma figuração da passagem do tempo) certamente já passaram por sob outras pontes e trapiches nos seis romances que o precedem e continuam passando pelos outros três que o sucedem.
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