Por Alcir Rodrigues
Aproveito o ensejo da atual greve estadual de professores (também sou um deles, um grevista), para inserir uma repostagem de outras greves, um texto que elaborei com o propósito de abordar alguns aspectos de uma longa, desgastante e penosa greve contra o governador Almir Gabriel (também alcunhado por alguns de Cara de Rato, ou Rato Fujão), quando alguns companheiros, já combalidos pelas ameaças ditadurescas, que nada mais eram senão tentativas de desmobilização da categoria ao estilo de quem só tem como argumento os sofismas (um eufemismo para mentiras) e força bruta, aproveito este ensejo para elevar, espero, o moral da ‘companheirada’, com palavras de incentivo e coragem…
Juntamente com aquela tarde, a reunião já findava. Aparentemente, alguns professores, hesitantes, queriam retornar às aulas. Alguém, calmamente, começou a falar:
─ Vocês conhecem, meus companheiros, O poema “Congresso internacional do medo”? Não, não conhecem? Permitam-me lê-lo: “Provisoriamente não cantaremos o amor,/ que se refugiou mias abaixo dos subterrâneos./ Cantaremos o medo, que esteriliza os abraços,/ não cantaremos o ódio porque esse não existe, / existe apenas o medo, nosso pai e nosso companheiro,/ o medo grande dos sertões, dos mares, dos desertos,/ o medo dos soldados, o medo das mães, o medo das igrejas,/ cantaremos o medo dos ditadores, o medo dos democratas,/ cantaremos o medo da morte e o medo de depois da morte,/ depois morreremos de medo/ e sobre nossos túmulos nascerão flores amarelas e medrosas.”
Vocês gostaram? É, alguns, sim... outros menos, outros nem tanto... não é mesmo?
Bem, esse poema, Drummond o publicou no livro Sentimento do mundo, em 1940, durante a II Guerra. Havia realmente no ar o forte clima de angústia, dúvida sobre o futuro do mundo, sobre a liberdade. Pairava na atmosfera uma nuvem cinzenta-enegrecida: o medo, intensamente chovendo sobre a Terra, o medo.
Mas o que se sente agora, entre pessoas do movimento (ou mesmo ─ melhor: principalmente ─ entre aquelas que não aderiram a ele e, muito provavelmente, jamais aderirão), o que se sente não é precisamente o que se pode chamar de medo. Comparado àquela época de real terror, guerra, miséria, morticínio, este nosso momento aprisiona-nos numa abstrata e imensa masmorra de paredes espelhadas, que refletem não mais que um medo irreal, um edifício de aflição ─ desabando sobre nós, mergulhando-nos no mar abissal da fobia, um medo, uma angústia fictícios.
Que nos pode acontecer, afinal? Irmos para uma guerra e lá perecer/ Sermos levados para guetos ou campos de concentração e trabalhos forçados nazistas e, finalmente, para as câmaras de gás e crematórios? Talvez Jack, o Estripador, nos aterrorize? Quem sabe o Bicho-Papão? Talvez um meteoro caia sobre nós?!... É, é bem possível... ou não? Certamente, somos nós todos excessivamente mais imaginativos que todos os personagens do Sítio do pica-pau amarelo juntos, ou possivelmente mais que o próprio Monteiro Lobato. Por isso, digo: FOBIA, é apenas isto o que oprime nossos corações atormentados. Estamos algemados, e, provavelmente aprendemos a ter afeição pelas algemas.
Se não tenho medo, é o que querem saber? Claro que tenho! Só os loucos, ou idiotas de carteirinha, afirmam não ter medo. Possivelmente, tenha algumas, senão várias fobias. Entretanto, constantemente faço esta reflexão: se me acovardo hoje, quem ou o que serei eu no futuro? O presente que se acovarda torna-se o futuro que se nega, com uma pesada carga na consciência. O presente metamorfoseia-se no passado do amanhã. No futuro, quero ter orgulho do que fui e fiz neste momento. E não quero a tola postura de hoje me engolindo num assombroso vórtice, no futuro: este vórtice devorador conhecido como remorso.
Não gostaria de ser repetitivo, mas insisto nisto: Digam-me:”Que passado escolheremos agora para o nosso futuro?”
Alguns, sem saber direito o que faziam, quiseram aplaudir. Chegaram outros a subvocalizar talvez uma, duas sílabas, num quase murmúrio, mas calaram-se, como a maioria o fez. A indagação ecoou nas consciências de todos. A mudez, só a mudez foi ouvida ali naquele momento. Contudo, melhor resposta veio dois dias depois, na segunda-feira: a ausência de todos se fez repleta presença de coragem e união daquelas pessoas.
Nenhum comentário:
Postar um comentário