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sábado, 20 de fevereiro de 2016

Publicação na Revista Genius

“Genius”: escrevendo com arte!

Todos sabemos o significado de “genius”, que em nossa língua portuguesa corresponde a “gênio”. E aqui a evidenciamos omitindo aquele seu outro significado que batiza alguém como pessoa geniosa ou temperamentalA palavra “Genius”, neste texto, obviamente está relacionada a pessoa de extraordinária capacidade intelectual e/ou que possui grande domínio ou conhecimento em determinado assunto.
Mas, nestes escritos, queremos nos reportar, especial e especificamente, à revista “Genius”, de periodicidade mensal, nascida na cidade de João Pessoa sob a direção do escritor Flávio Sátiro Fernandes e que – se não nos enganamos – já vai com mais de dez edições.
Em relação ao recente mês de novembro, “Genius” contou com uma edição especial – já à venda nas bancas de revistas deste Estado – e trazendo uma capa ainda mais especial, que destaca uma risonha caricatura de José Lins do Rego com chapéu típico de cangaceiro, com seu pé direito sobre uma bola de futebol, ele com gravata do clube Flamengo e lendo seu próprio livro “Cangaceiros”.
Ficou já entendido que essa edição especial de “Genius” é uma homenagem ao escritor paraibano que dá seu nome ao nosso Espaço Cultural concebido, construído e efetivamente instalado na gestão do governo Tarcísio de Miranda Buriti.  E nesta edição a frase ou manchete de capa é a seguinte: “José Lins do Rego – escrevendo com engenho e arte”.
E quanta arte, quanto talento, quanta capacidade criadora estão expressas nessa edição especial da revista “Genius” ao homenagear o gênio José Lins do Rego!.. Nela estão abordagens de nada menos do que onze outros gênios da literatura brasileira, todas enaltecendo – como constante na Carta ao Leitor – “o menino de Pilar, aquele que é, sem dúvida, um dos mais destacados romancistas brasileiros do século XX”.
Na impossibilidade de fazer referências a todas essas abordagens, não podemos deixar de transcrever um trecho do discurso do então deputado federal Carlos Lacerda, de 1957, na Câmara Federal, discurso este integralmente reproduzido pela revista “Genius” sob o título “Um amante das boas histórias e das boas gargalhadas”. Eis o trecho: “Não conheci até hoje ninguém mais povo do que José Lins do Rego. E tinha talento demais para ser inteligente. O seu talento era tão grande que a inteligência era por ele muitas vezes abalada”.

Do site Mais PB
Disponível em: http://www.maispb.com.br/146351/genius-escrevendo-com-arte.html . Acesso em: 20 fev. 2016.
Fico feliz e agradecido à revista por ter aceito texto meu para publicação na Edição Especial de novembro/2015 -- José Lins do Rego: escrevendo com engenho e arte --, cuja capa reproduzo abaixo, assim como foto minha lendo a revista, fotografado por minha esposa Helen Campinas:


"A Genius aborda em suas páginas temas diversos, como Literatura, Poesia, Filosofia, Artes Plásticas, Cinema, Arquitetura, Ciência Política e Folclore, com a colaboração de intelectuais e acadêmicos de todo o Brasil."
Texto do site da Associação Brasileira de Imprensa. Disponível em: <http://www.abi.org.br/em-defesa-do-jornalismo-cultural-de-qualidade/>. Acesso em: 20 fev. 2016.

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O texto é um artigo, que segue, na íntegra, abaixo, tal qual aparece na revista, mas não com a mesma paginação. Boa leitura!

Ostentação e decadência em Fogo morto, de José Lins do Rego
Alcir de Vasconcelos Alvarez Rodrigues[1]
Resumo
Este artigo tenciona analisar a ostentação e a decadência como aspectos sociais no romance Fogo morto (1943), especificamente no capítulo “O engenho de seu Lula”, uma das três partes da obra-prima de José Lins do Rego, um dos mais significativos representantes da literatura brasileira de expressão nordestina. A contradição é mais que evidente: quanto mais o engenho Santa Fé foi entrando em processo de decadência, mais o personagem Lula de Holanda, proprietário do engenho, foi se tornando mais excêntrico também. A ostentação é somente uma das excentricidades desse personagem, mas é um aspecto essencial que denota seu apego por um modo elitizado de vida. Nessa perspectiva, Antonio Candido mostra-se o autor mais adequado para o viés analítico desta pesquisa.
Palavras-chave: ostentação, decadência, Fogo morto.
Abstract
This article intends to analyze the ostentation and the decadence as social aspects in the novel Fogo morto (1943), specifically into the chapter “O engenho de seu Lula”, one of the three parts of the masterpiece by Jose Lins do Rego, one of  more meaningful representatives of  Brazilian’s literature of northeastern expression.  The contradiction is more than evident: how much more the Santa Fé farmer was entering in decadence process, more the character Lula de Holanda, owner of the farmer, was becoming more eccentric, too. Ostentation is only one of the eccentricities of this character, but an essential aspect to denote his fondness for a way of life of elite. In this perspective, Antonio Candido shows to be the more adequate author to the analytical nature of this search. 
Keywords: ostentation, decadence, Fogo morto.
Introdução
Era o cabriolé do coronel Lula enchendo de grandeza a pobre estrada que dava para o Pilar. (REGO, 1997, p.19)
            Desde muito no Brasil a classe social que detém as rédeas do poder necessita alardear sua autoridade sobre as demais classes sociais, por intermédio de diversos procedimentos, tais como humilhar, surrar, prender, matar, entre outros. Então, deixar bem claro quem manda, e quem deve obedecer a quem, é máxima preponderantemente seguida não apenas neste Brasil de hoje, já que é prática bem comum desde tempos coloniais, por altos funcionários da coroa portuguesa e por latifundiários, integrantes ou não da aristocracia, por exemplo. Desde lá que ipsis litteris se tem propagado um famoso dito com carga semântica ainda de atualidade inconteste: “Manda quem pode, e obedece quem tem juízo.” A literatura pode fornecer testemunho vivo dessas relações de mando e desmando. O romance Fogo morto é bem apropriado para a análise proposta: a era de esplendor do engenho Santa Fé chegou ao fim, a decadência paulatinamente se vai instaurando, até chegar à ruína completa, mas é necessário manter a aparência do esplendor, daí a ostentação, a tentativa de se mostrar ainda quem está no poder.
1 Súmula de autor e obra:
José Lins do Rego Cavalcanti nasceu no Pilar, no estado da Paraíba, em 1901, e faleceu no Rio de Janeiro, em 1957. Passou a infância e a adolescência no engenho Corredor, propriedade de seu avô materno. Formou-se em Direito (1923) pela Faculdade de Recife. Nessa época, com José Américo de Almeida, Olívio Montenegro e Gilberto Freyre, integrou o Grupo Modernista de Recife. Foi promotor público em Minas (1925) e trabalhou também para o Ministério da fazenda e foi fiscal de bancos, em Maceió (1926), onde conheceu Aurélio Buarque de Holanda, Graciliano Ramos, Jorge de Lima e Raquel de Queiroz. Em 1955, foi eleito para a Academia Brasileira de Letras, vindo a falecer dois anos depois. O escritor paraibano colaborou em jornais no Recife, em Maceió e no Rio de janeiro, para onde definitivamente se transferiu (1935), nomeado como fiscal do imposto de consumo. Fez viagens ao exterior, por países sul-americanos, europeus e orientais. É um dos mais significativos prosadores do Modernismo brasileiro.
Como escritor de ficção, Lins do Rego produziu obras organizadas em dois ciclos, o Ciclo da Cana-de-Açúcar, do qual fazem parte Menino de engenho (1932), Doidinho (1933), Bangüê (1934), Usina (1936) e Fogo morto (1943); e o Ciclo do Cangaço, Misticismo e Seca, do qual fazem parte Pedra bonita (1938) e Cangaceiros (1953). Além disso, José Lins é autor dos romances O moleque Ricardo (1935), Pureza (1937) e Riacho doce (1939), vinculados aos dois ciclos. Já Água-mãe (1941) e Eurídice (1947) são obras desligadas de ambos os ciclos.  Acrescidos a esses 12 romances, o escritor paraibano presenteou seus leitores com Histórias da velha Totônia (infantil, 1936), Meus verdes anos (memórias, 1956), sem mencionar os outros livros de crônicas, de conferências e de viagens. A crítica literária, de modo geral, considera Fogo morto sua obra-prima, romance integrante tardio do Ciclo da Cana-de-Açúcar e considera o autor um representante do Modernismo da Geração de 1930, ou Regionalismo de 1930, também nomeado de Neo-Realismo, por seu caráter de denúncia social, enfocando o poder do senhor de engenho, o latifundiário, o trabalho semi-escravo dos trabalhadores do eito, o patriarcalismo e machismo vigentes, os problemas trazidos pela seca, pelo misticismo e pelo cangaço.
2 Fogo morto
A expressão metafórica ‘de fogo morto’[2] era usada para se referir a engenhos que não “botavam” mais, ou seja, não moíam mais a cana para extrair o caldo (ou garapa) destinado aos tachos, para virar melaço a ser cristalizado em forma de açúcar. Sem o fogo dos tachos, sem sua fumaça a sair pelos bueiros (bocas das chaminés), o engenho ficava de fogo morto, como podemos ver na passagem abaixo:

E saíram. Lá da estrada, quando deram a volta, viram a fumaça do bueiro do Santa Rosa melando o céu azul.
– O Santa Rosa botou hoje?
– É capitão.
Foram andando.
– Me esqueci de dizer a Adriana para ela trazer umas botinas novas que o Augusto do Oiteiro me deu, para calçar no compadre.
– É capitão.
Agora viam o bueiro do Santa Fé. Um galho de jitirana subia por ele. Flores azuis cobriam-lhe a boca suja.
– E o Santa Fé quando bota, Passarinho?
– Capitão, não bota mais, está de fogo morto. (REGO, 1997, p. 257-258)

Trata-se do trecho final do romance, quando o capitão Vitorino Carneiro da Cunha e o negro liberto Zé Passarinho caminham pela estrada rumo à casa do mestre Zé Amaro, que havia se suicidado cravando uma faca no peito. Dois engenhos são mencionados, comparativamente, o Santa Rosa, do senhor de engenho Zé Paulino, até ali produzindo prosperamente, e o engenho de Lula de Holanda, ‘de fogo morto’, ou seja, passou do estágio da decadência à ruína completa.
A história do romance transcorre nos anos iniciais do século XX e desenha com profundidade o modus vivendi patriarcal em engenhos de cana-de-açúcar da Paraíba. A prosperidade que antes vigorava, naquele momento entra em contínuo e terminal processo de declínio, que, se por um prisma é lento, e poderia dar ao leitor indícios de um alento de possível recuperação financeira do engenho Santa Fé, por outro prenuncia um epílogo fatídico, naquele arrastar-se de degradação social e econômica que contagia tudo.    
O esplendor de uma época se confronta com sua ruína, não sem antes passar pela decadência, o entremeio que esmaece e dilui o choque entre os pólos, a lembrar o ensinamento de Antonio Candido no contraponto à fixação estruturalista com o número dois (os binarismos antagônicos) e na afirmação de que “[...] o 2 freqüentemente desliza ou deveria deslizar para o três”, como no esquema triádico da dialética marxista de base hegeliana. Por isso, Candido afirma: “Quando as [...] análises não deixam vislumbrar o deslizamento e se fecham realmente na díade antinômica, temos as mais das vezes um sentimento de que falta alguma coisa para completar o panorama [3].”
O número três é aqui não só uma coincidência, mas um dado de natureza mais que funcional para a análise de Fogo morto, como na passagem abaixo, do ensaio “A personagem do romance”, também de Candido:

José Lins do Rego, em Fogo morto, descreve obsessivamente três famílias, constituídas cada uma de três membros, com três pais inadequados, três mães sofredoras, tudo em três níveis de frustração e fracasso; e cada família é marcada, sempre que surgem os seus membros, pelos mesmos cacoetes, palavras análogas, pelos mesmos traços psicológicos, pelos mesmos elementos materiais, pelas mesmas invectivas contra o mundo. (1990, p. 76)
  
Ora, o romance se constrói a partir de três capítulos, pedras fundamentais na elaboração de um universo onde três personagens centrais dividem os espaços de existência ficcional: o mestre José Amaro, o senhor de engenho Lula de Holanda e o capitão Vitorino Carneiro da Cunha. Dos três, o latifundiário, aquele senhor de terras e gente, é Lula, pois Zé Amaro não é dono de seu sítio, vivendo nas terras do engenho Santa Fé, de Lula; o capitão Vitorino mora em um sítio na estrada próxima ao município do Pilar. Enquanto Amaro é ensimesmado e trabalhador dedicado, é seleiro e trabalha em casa com couro, Vitorino não pára em seu sítio, sua mulher tendo que sustentar a casa, pois o marido estava sempre metido em política e confusões por ser exaltado com quem lhe dizia desaforos. A relevância desses dois personagens é indiscutível, todavia ater-se a eles e suas famílias pode ser inoperante para a proposta deste artigo, que se centra na figura do personagem Lula de Holanda e sua família, o esplendor, a decadência e a ruína de seu engenho, o Santa Fé.
3 Santa Fé: do esplendor à ruína
Entre o fausto produtivo do engenho Santa Fé e sua ruína, pólos opostos de um processo, tem de haver um permeio: entre o ‘fogo vivo’ e o ‘fogo morto’ da fornalha que não produz mais a fumaça, signo índice (“Onde há fumaça, há fogo”) a mostrar a todos que o engenho ainda ‘botava’, entre uma coisa e outra, o processo de declínio, o meio-termo a subsidiar a análise da causa dessa ruína. O longo, mas bem elucidativo excerto a seguir, dá luz sobre tal questão:

                                     A barba de Seu Lula era toda branca, e as safras de açúcar e algodão minguavam de ano para ano. As várzeas cobriam-se de grama, de mata-pasto, os altos cresciam em capoeira. Seu Lula, porém, não devia, não tomava dinheiro emprestado. Todas as aparências de senhor de engenho eram mantidas com dignidade. Diziam que todos os anos ia ele ao Recife trocar as moedas de ouro que o velho Tomás deixara enterradas. A cozinha da casa-grande só tinha uma negra para cozinhar. E enquanto na várzea não havia mais engenho de bestas, o Santa Fé continuava com as suas almanjarras. Não botava máquina a vapor. Nos dias de moagem, nos poucos dias do ano em que as moendas de Seu Lula esmagavam cana, a vida dos tempos antigos voltava com o ar animado, a encher tudo de cheiro de mel, de ruído alegre. Tudo era como se fosse uma imitação da realidade. Tudo passava. Na casa de purgar ficavam os cinqüenta pães de açúcar, ali onde, mais de uma vez, o Capitão Tomás guardara os seus dois mil pães, em caixões, em formas, nas tulhas de mascavo seco ao sol. Apesar de tudo, vivia o Santa Fé. Era engenho vivo, acendia sua fornalha, a sua bagaceira cobria-se de abelhas para chupar o resto de açúcar que as moendas deixavam para os cortiços. O povo que passava pela porta da casa-grande sabia que lá dentro havia um senhor de engenho que se dava ao respeito. Ninguém gostava do velho Lula de Holanda, mas ao vê-lo, com as barbas até o peito, todo de preto, de olhar duro e fala de rompante, todos o respeitavam. Era um homem sério. (REGO, 1997, p. 166-167)

            “Apesar de tudo, vivia o Santa Fé”: essa concessão denota claramente a que ponto de chegada a ( falta de) administração de Lula de Holanda levaria o Santa Fé. Toda a passagem acima é ordenada em conformidade com um esquema de comparações e contrastes entre a época de prosperidade do engenho, quando nas mãos de seu Fundador, o capitão Tomás Cabral de Melo, e a decadência, nas mãos de seu genro, Lula.
            Note-se a diferença fundamental entre o engenho fundado pelo capitão Tomás e o (des) administrado por Lula, que pode ser percebida notoriamente na página em que se lê  “[...] O Santa Fé, nas suas mãos, dava mais que outros engenhos de mais terras, de outros recursos. E o capitão Tomás criou fama de homem de capricho, de palavra, de trabalho duro” (REGO, 1997, p. 123); em contrapartida, veja-se a frase-parágrafo final do capítulo estudado: “Acabara-se o Santa Fé” (id., ibid., p. 178). O desfecho em aberto “– E o Santa Fé quando bota, Passarinho?/ – Capitão, não bota mais, está de fogo morto” (REGO, 1997, p. 258) suscita uma dúvida, ao se fechar o livro: de que viverá a família de Lula? De produção agrícola e criação de animais para subsistência, pois dona Amélia, esposa de Lula, já vendia sem ele saber os ovos das galinhas? Ou seria mais provável a venda do Santa Fé?
Lula, com sua vaidade, com uma mescla de inépcia e apatia – a descambar em uma total falta de empreendedorismo e adaptação às novas realidades na área da produção de engenhos, como as máquinas que não usou para substituir a tração animal –, mais seu autoritarismo e um misticismo religioso hipócrita e doentio, só poderia arruinar a propriedade que herdou, arruinando também as relações familiares, com sua ostentação, seu gosto por um modo elitizado de vida, refletido nos objetos a que se apegara: o cabriolé tilintando nas estradas pobres, seu trajar de engravatado, as jóias das quais exigia o uso pela esposa e pela filha, a sala fechada da casa-grande, atapetada com quadros e piano, por exemplo. Ser epilético, indubitavelmente, não era a pior doença de Lula de Holanda.
conclusão
Este estudo pautou-se por critérios metodológicos abstraídos principalmente dos ensinamentos de Antonio Candido em seu livro Literatura e sociedade, entre eles, o de que o entendimento da obra literária depende da fusão de
[...] texto e contexto numa interpretação dialeticamente íntegra, em que tanto o velho ponto de vista que explicava pelos fatores externos, quanto o outro, norteado pela convicção de que a estrutura é virtualmente independente, se combinam como momentos necessários do processo interpretativo. Sabemos, ainda, que o externo (no caso, o social) importa, não como causa, nem como significado, mas como elemento que desempenha um certo papel na constituição da estrutura, tornando-se, portanto, interno. (s/d, p. 4, grifos do autor)
O condicionamento da obra a fatores de ordem social, histórica e econômica não é mais chave, como já o foi, para a leitura da obra literária. Um método de leitura crítico aceita o social como um dos vieses possíveis, mas não o único. Para uma leitura a partir da crítica, será mais proveitosa e menos superficial a leitura dialética que busque um equilíbrio de trocas entre a obra e a sociedade, considerando o aspecto social como de grande importância para a verossimilhança interna da obra. Em uma leitura crítica par excellence entram também elementos psicológicos, religiosos, lingüísticos, políticos e outros mais, assimilando, nessa leitura, a interpretação do social como valor estético, isto é, interno à escritura literária.
Segundo Frederic Jameson (1992, p. 15), a interpretação do texto, levando em consideração o ângulo político, é imprescindível, como no parágrafo a seguir:

Este livro vai argumentar em favor da prioridade da interpretação política dos textos literários. Ele concebe a perspectiva política não como método suplementar, não como auxiliar opcional de outros métodos interpretativos hoje em uso – o psicanalítico, o mítico-crítico, o estilístico, o ético, o estrutural –, mas como horizonte absoluto de toda leitura e de toda interpretação.
            E não há como não associar tais palavras desse estudioso americano com as de Franklin de oliveira (1978, p. 82):

[...] o papel de toda criação literária genuína é o de voltar-se contra as suas próprias bases sociais, sobretudo quando elas assentam nos contravalores que denigrem a existência humana. A função da literatura e da arte não é a de refletir a vida como ela é, e a sociedade que a determina. Muito menos será a de compensar-nos da vida malograda que vivemos [...] Arte e literatura são instrumentos de Conhecimento – de conhecimento operativo. Desnudam, desvelam, revelam a vida como ela é, indicando a vida que deve ser: a presuntiva beleza injetável no existir  humano. [...] O homem produz as obras de arte, e elas ensinam os homens a se produzirem e às suas vidas, conforme as leis da beleza.

Em Fogo morto, principalmente no capítulo final, o leitor pode vislumbrar o poderio político de alguns personagens, estes emblemáticos de suas classes sociais, tais como o senhor de engenho, coronel Zé Paulino, oportunista político e verdadeiro senhor e mandatário local. E por causa de seu poder como latifundiário rico, era ele, na verdade, quem escolhia o prefeito, como foi o caso do comendador e comerciante Quinca Napoleão. O tenente Maurício, da tropa volante, que perseguia cangaceiros como Antônio Silvino – este tido pelo povo em geral como “pai dos pobres” (REGO, 1997, p. 181) –, era opressor das classes menos favorecidas, mais terrível que os próprios cangaceiros, considerados como um poder extra-oficial, porém legítimo. Já Lula de Holanda é um típico representante de uma elite arruinada, um senhor de engenho orgulhoso como um senhor feudal sem o poder da riqueza de seu latifúndio improdutivo, mas vaidoso, apegado ao passado e à religião, isolado e humilhado por isso [4], contudo sua apatia o afastava da política.
A situação de ruína a que chegou o Santa Fé é emblemática, pois seria a de outros engenhos no futuro, inclusive o ainda próspero Santa Rosa, de Zé Paulino, pois o neto e herdeiro do engenho, Carlos de Mello, fracassa e vende-o a seu tio Juca, que o transforma na usina Bom Jesus, que mais tarde irá à falência[5].  Partindo daqui, desses dados internos à obra reguiana, o painel político da República Velha pode esboçar para o leitor um quadro de problemáticas herdadas desde o regime colonial, que não foram solucionadas cabalmente durante o império e ainda persistentes naquele momento: a monocultura em grandes latifúndios (nesse caso, açucareira), o semi-escravismo da mão-de-obra (a Abolição não deu terra nem profissão aos libertos), o choque da produção semi-artesanal do engenho com a produção industrial da usina, esta apoiada no capital emergente, o poder político dos coronéis, muitas vezes aliado a ou contra o cangaço, o misticismo exacerbado. Tudo isso é ficcionalizado pela maestria de um prosador nato como Lins do Rego, capaz de estetizar tudo isso nas linhas de sua obra-prima, proporcionando ao leitor uma dialética em que o texto ajuda a compreender o contexto, com uma recíproca totalmente verdadeira.
Então, os estudiosos acima mencionados (Candido, Jameson, Oliveira) possibilitam uma chave de leitura possível e coerente de Fogo morto em seus aspectos sociais tornados estéticos, a partir do binômio ostentação e decadência, mediadora esta como estágio anterior ao estágio da ruína.
                       
Referências bibliográficas
BARBOSA, Frederico. Para entender Fogo morto. In: REGO, José Lins do. Fogo morto. São Paulo: O Estado de São Paulo/ Klick Editora, 1997.
CANDIDO, Antonio. A passagem do dois ao três. In: Revista de História. São Paulo, v. 25, t. 2, nº. 100, p 787-799, out./dez., 1974.
____. Literatura e sociedade: estudos de teoria e história literária. São Paulo: Companhia Editora Nacional, s/d.
____. A personagem do romance. In: CANDIDO, Antonio et ali. Literatura e personagem. São Paulo: Perspectiva, 1990, p. 52-59.
HOUAISS, Antônio et alii. Dicionário Houaiss da língua portuguesa. RJ: Ed. Objetiva, 2004.
JAMESON, Frederic. O inconsciente político. A narrativa como ato socialmente simbólico.  São Paulo: Ática, 1992.
OLIVEIRA, Franklin de. Função política da literatura e da arte. In: SILVEIRA, Ênio et alii. Encontros com a civilização brasileira. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1978, p 81-92.
REGO, José Lins do. Fogo morto. São Paulo: O Estado de São Paulo/ Klick Editora, 1997.

  



[1] Doutorando do Programa de Pós-Graduação em Letras do Instituto de Letras e Comunicação/ UFPA/Belém, Área de Concentração em Estudos Literários.

[2] Cf. in: HOUAISS, 2004, p. 1363; e BARBOSA, 1997, p. 266.
[3] Cf. in: “A passagem do dois ao três”, 1974, p. 787.
[4] Vide texto do professor Gilmar sobre Fogo morto, disponível no site  http://www.objetivoitajuba.com.br/caro/downloads/resumosgilmar/Fogo%20morto.doc. Acesso em: 22 jan. 2009.
[5] Para entender melhor esse contexto, ler Bangüê e Usina.

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